sábado, 9 de abril de 2016

O MATERIALISMO SEGUNDO FEUERBACH.

Considerações iniciais

  1. Em meados do século XIX, vários filósofos protestantes tinham como tentativa principal, explicar o fundamento da religião. A partir de então, o fenômeno religioso passou a ser objeto de estudo de varias ciências, dentre elas a filosofia. É neste contexto, que surge a ideia de Deus como fenômeno criado pela condição humana, defendido por vários pensadores ateus seguidores do Marxismo. 
O ateísmo contemporâneo teve como princípio o Idealismo Alemão, ao se contrapor a ele. O grande protagonista desta mudança de pensamento foi Lwduing Feuerbach, considerado o pai do materialismo contemporâneo. Ele que não considerava a religião como revelação divina, ao contrário, afirmara que todo fenômeno religioso está voltado para uma questão antropológica. Feuerbach defende, com sua crítica, a libertação do homem desta alienação de que sofre ao relacionar-se com Deus.
A elaboração deste presente trabalho está composta por três capítulos. No primeiro capítulo, iremos evidenciar o conceito de religião em Hegel, para obtermos melhor compreensão do pensamento de Feuerbach. Hegel afirmara que o homem se encontra com Deus a partir do pensamento, despertando a consciência que ele tem sobre Deus, por via do intelecto.
Em seguida, a crítica que Feuerbach fizera a Hegel, em especial sobre o conceito que ele tinha sobre Deus. Feuerbach vê no ideal de Hegel apenas uma forma de alienação do ser humano. A natureza humana é composta pela racionalidade, o que nos diferencia dos animais; por isso, Feuerbach percebe no homem a condição racional, definindo a essência do homem: razão, vontade e coração. Por fim, veremos a crítica que Feuerbach fez ao cristianismo, a essência de Deus é algo meramente humano, o homem, objetiva a sua essência para fora dele. Para Feuerbach, o sacrifício de Cristo significa o sacrifício e o compromisso com os outros.            No segundo capítulo, demonstraremos que a verdadeira religião segundo Feuerbach é a antropologia, pelo fato de todas as qualidades que o homem tem ele atribui a Deus. Sendo que eles pertencem ao próprio homem. Deus deixa de ser o centro de estudo, e o homem passa a ser o objeto e fim último do próprio homem.                  
A religião para Feuerbach é apenas uma alienação do ser humano, sua crítica à religião é, justamente, porque o homem não dá atenção à vida terrena, vivendo apenas em prol de outra vida. Por fim, apresentaremos a relação comunitária, como meio que o homem tem para superar as dificuldades  e perpetuar a espécie. Isolado o homem é limitado, mas juntos poderão construir relação social e uma sociedade plena, sendo o homem o centro de tudo. É idealizada uma nova ética, a ética do altruísmo.
No terceiro capítulo, faremos paralelo entre o ateísmo antropológico de Feuerbach e o ateísmo psicanalítico de Freud. Para Freud, a manifestação da religião, tem origem na infância, sendo um ideal fantástico, devido ao complexo de Édipo. O homem tem o desejo de um pai super protetor, por isso, ele cria um Deus que tudo pode para suprir a carência do pai fazendo da religião apenas uma projeção.
Por fim queremos evidenciar que o objetivo deste trabalho é proporcionar reflexão acerca da religião e em especial nos despertar sobre a alienação religiosa que em nossos tempos é muito freqüente em nosso meio, conduzindo o ser humano para o comodismo, esperando a solução dos seus problemas apenas em Deus, esquecendo que somos responsáveis por esta vida a qual Deus nos concedeu.      
 

 

 

 

 

 

Vida e obras


Lwduig Andréas Feuerbach nasceu em Lardshut, sul da Alemanha, na Baviera, aos 28 de julho de 1804. Seu pai, Anselmo Feuerbach, foi célebre jurista de influência kantiana, iniciador do direito universal comparado. Embora tenha sido batizado na fé católica, Feuerbach foi educado no protestantismo, sendo aluno devotado e exemplar. Dedicou-se muito aos estudos do idioma grego, hebraico e da sagrada escritura, pois almejava ser pastor protestante. Feuerbach viveu toda a sua infância em Monique de 1806 a 1814, e realizou seus primeiros estudos em Bamberg (1814 - 1817) e em Ansbach (1817 - 1822) concluindo seu bacharelado neste mesmo ano.
No ano de 1823, Feuerbach começou a se dedicar ao estudo da Teologia em Heidelderga, não apenas para secundar os desejos, mas também, por impulso próprio, com o intuito de se tornar Pastor protestante. Em seguida passou a estudar Filosofia. E em 1824, dirigiu-se a Berlim, para acompanhar os cursos de Hegel, a quem considerava o seu segundo pai.
Feuerbach obteve a livre-docência na Universidade de Erlangen, através da dissertação De Ratione Uma, Universale, Infinita, que tratava do pensamento fundamental da Filosofia hegiliana. Foi a partir daí, que começou a proferir conferências vivenciando o Idealismo hegeliano.
A carreira docente de Feuerbach durou apenas quatro anos, pois, já em 1830, havia primado por decisão radical, que foi apartar-se justamente daquilo que acabara de julgar como conservadorismo em Hegel. Além disso, o que também contribuiu para o abandono do magistério, foi seu caráter independente, sua dificuldade com a exposição oral e a hostilidade despertada por suas ideias extremistas. Em 1837, casou-se com Berta Low e transferiu-se definitivamente para Bruckberg, onde sua esposa era co-proprietária de uma fábrica de porcelana, e foi nesse período que ele escreveu quase toda a sua obra.
Efetivamente os negócios da fábrica de porcelana não iam bem. Em 1860, Feuerbach teve de abandonar Bruckberg, onde havia residido durante mais de vinte anos, devido ao insucesso econômico da fábrica. Foi graças à ajuda financeira de seus amigos que ele conseguiu transferir-se para Rechemberg em 1860, onde residiu até o fim de sua vida. Feuerbach morreu aos 13 de setembro de 1872, com 62 anos.
Foi abundante e significativa a produção de Feuerbach em obras e escritos. Dentre elas as principais são: Pensamento Sobre a Morte e a Imortalidade (1830), História da Filosofia Moderna a partir de Bacon até Espinosa (1830), Exposição e crítica  da Filosofia de Leibniz (1837), Filosofia e Cristianismo (1839), A Essência do Cristianismo (1841), Crítica da filosofia de Hegel (1842), Princípios da Filosofia do devir (1843), A Essência da Religião (1845), Lições Sobre a Filosofia da Religião (1848), e Teogonia (1857).
Lwduig Feuerbach representa a figura principal da esquerda hegeliana, pois é o iniciador do chamado humanismo naturalista e ateu, que abriu o caminho para o materialismo dialético de Karl Marx.                  





 


 

FEUERBACH: SUA CRÍTICA A RELIGIÃO E SEU ATEÍSMO


           

1.1. O conceito de religião em Hegel.

Ao longo da história, o homem sempre almejou descobrir os mistérios em que ele está envolvido: a origem da vida, a morte, a eternidade, o sofrimento etc. Todas estas especulações contribuíram para o desenvolvimento do pensar filosófico de todos os tempos, principalmente a contemporaneidade. Tais ideias tentaram conduzir o homem para melhor compreensão do mundo e toda a realidade cósmica.
Muitos foram os que buscaram explicações acerca da existência de um ser superior, “Deus”. No século XIX, a Alemanha viveu no auge de sua filosofia onde foram desenvolvidas várias linhas filosóficas inclusive o ateísmo, levantando questões sobre a existência de Deus.
Queremos ressaltar que de início iremos estudar o conceito de religião em Hegel, o qual fora filósofo Alemão que vivera no século XIX, sendo ele o principal representante do pensamento idealista Alemão. Os filósofos conhecedores do pensamento hegiliano foram tão influenciados por tal pensamento, que se desencadearam em dois movimentos pós-hegilianos, à direita e a esquerda da qual foi Feuerbach o seu principal protagonista.  
Ao estudar Hegel iremos entender melhor o ateísmo materialista de Feuerbach. Segundo Hegel, a religião se situa no nível do pensamento e não apenas do sentimento, compreendendo-se com isso que não se pode reduzir o “divino” apenas ao sentimento. Deus é uma verdade a qual só se pode conceber a partir do pensamento.
A religião enquanto fé, sentimento e intuição ingênuos consistem, em geral, no saber e na consciência imediatos. Em outra parte, verifica-se o abandono da imediaticidade do espírito, o ponto de vista da reflexão, a relação da religião e do conhecimento como sendo algo externo, um em frente ao outro. A filosofia da religião consiste, ao contrário, no conhecimento pensante, compreensivo da religião; nela identifica o conteúdo absoluto, a substância e a forma absoluta (HEGEL Apud URBANO, 1991, P.68).
            Podemos perceber que segundo Hegel, a religião é um momento interior, uma relação com Deus através da “consciência” humana como instrumento da consciência divina “uma humanização da essência” a religião se apresenta como a “ideia do espírito”, desta forma subtende-se que todos os homens têm consciência de Deus.
Para Hegel, não existe imediaticidade absoluta da consciência sobre Deus, visto que em nossa “consciência” existe uma relação sujeito-objeto, entendendo-se Deus como princípio filosófico do conhecimento humano. “A religião é para todos os homens; a religião não é filosofia, a qual não é para todos os homens. A religião é um modo como todos os homens se fazem conscientes da verdade (...) a representação e também o pensamento intelectual”. (HEGEL Apud URBANO, 199, p.70).
Hegel mostra a insuficiência do sentimento a respeito de Deus levando-nos a perceber dois itens fundamentais: o sentimento e a representação de Deus. O primeiro parece ser subjetivo, o segundo se refere ao aspecto objetivo do conteúdo. Todavia para Hegel, o mais importante é a indagação, podendo dizer algo partindo do sentimento, porém não encontramos o “ser” de Deus no sentimento, tendo em vista que, para Hegel, nem tudo que está no sentimento subjetivo é verdadeiro; porém a religião não deve ser sentida, mas, deve estar presente no pensamento, ideia inata, do contrário, não é religião.
            Entretanto, o sentimento nunca deve ser o critério decisivo para a verdade do saber sobre Deus, pois o sentimento não contém razões e não fala por razões, daí a necessidade de transcender os sentimentos. “Trata não do sentimento como sentimento, mas do conteúdo em volto, nessa forma para ver se um sentimento é de natureza verdadeira e autêntica”. (HEGEL Apud URBANO, 1991, p.71).
A representação de Deus está vinculada aos sentimentos, por isso temos uma imagem de Deus, visto que, através do pensamento a representação não abrange totalmente a verdade, mas transcende para o pensamento libertando-se do sensível, por isso, para Hegel, Deus só é verdadeiro para o pensamento. Contudo, as formas do sentimento e da representação se dirigem à esfera do pensamento na qual a consciência religiosa chegará a um senso comum.
“O ser humano religioso é, portanto, esta relação de si a si mesmo, como liberdade subjetiva, em meio da absoluta necessidade. Assim, a transcendência e imanência se identificam no ser humano, e a religião como relação do homem com Deus é a relação consigo mesmo”. (HEGEL Apud DELMAR, 1995, p. 99).
Percebemos então a relação do homem com Deus numa transcendência que é imanente e reflete a condição espiritual do homem em sua realidade corpórea, assim, Deus deixa ser experimentado pela razão através do homem.  
Hegel procura construir um ideal de religião intelectualizada, uma consciência que o homem desperta por meio da razão, daí afirma Delmar: “a essência da religião está na autoconsciência, ter a forma de fé. Tendo como verdade possuída, mas não entendida, coloca sempre outra consciência frente à consciência humana” (DELMAR, 1999, p. 105).
A essência do homem como espírito é um espelho de Deus, segundo Hegel. Pensar é elevar-se do particular ao geral o espírito transcende o casual e penetra no eterno “Deus” ou ideia divina. Contudo no saber sobre Deus, o temos como objeto podendo aprofundar-se no conhecimento. Nesta relação o homem descobre que ele é uma unidade com Deus, descobrindo-se a si mesmo como “divino” e neste encontro o homem se experiência como parte do divino.
“O homem se eleva a Deus só enquanto Deus se conhece a si mesmo nos homens, este saber é a autoconsciência de Deus, mas também o saber que Deus tem dos homens e tal saber é o saber que os homens tem de Deus”. (HEGEL apud URBANO, 1999, p.76).                
Através do pensamento o homem passa por uma preparação para o culto e a fé, “uma elevação mística” um sentimento de unidade divino-humano. Hegel afirma que a filosofia se justifica pela devoção e pelo culto, pois a elevação religiosa pertence à experiência do filosofar. Observamos então uma junção do homem com Deus a partir do pensamento e da consciência, motivo pelo qual mais tarde Feuerbach  irá reduzir tudo isto em antropologia.
A dialética religiosa de Hegel destaca-se em três momentos: “religião natural, religião estética, e religião desenvolvida ou revelada”. (HEGEL apud GIUSEPPE, 1989, P.89). A religião natural corresponde à consciência que se confronta com o mundo exterior como se fosse um ser estranho, neste estágio o homem busca as imagens representativas do espírito na própria natureza: na luz, nos astros e também nas plantas e nos animais.
A interioridade desta forma de religião, da qual Hegel defende, está no objeto de culto que conduz intrinsecamente às marcas da atividade do homem na qual o espírito está muito relacionado com a natureza. O homem busca neste estágio como fonte de inspiração a própria natureza.
A religião estética corresponde à fase em que o homem abandona as representações naturais e cria a “arte absoluta” ao qual se destaca a arte grega, que expressa a arte abstrata, tendo como objetivo superar as representações naturais dos deuses.
Os velhos deuses nos quais se particulariza a essência luminosa acoplada com as trevas: o céu, a terra, o oceano, o sol, o fogo etc. agora são substituídas por figuras que (...) não mais são seres naturais, mas manifestos espíritos éticos dos povos “autoconscientes” (HEGEL apud GIUSEPPE, 1989, p.89).

Partindo destes citados pressupostos, acreditamos que quando a religião grega  expressa beleza e esplendor, leva Hegel a acreditar numa manifestação do divino em meio ao mundo e de sua vida humana, é Deus que se faz humano através do sensível.
Por conseguinte, a natureza não é o seu reflexo sem valor, mas o meio da sua esplêndida manifestação numa multiplicidade de figuras de divindades masculinas e femininas que são imagens ideais do homem, da sua naturalidade e da sua capacidade levando-nos a entender tais imagens algo que constituem potências do universo natural e espiritual. Nessas expressões do divino no humano, o homem expressa sensivelmente as suas paixões, necessidades e inclinações, externando suas esperanças e medos, ainda que seja nas imagens dos seus respectivos deuses.                                              
O último item é a religião revelada, o cristianismo. Hegel encontra na afirmação cristã da encarnação de Deus o símbolo da identidade do infinito com o finito: por isso, ele considera o cristianismo como a religião absoluta, a verdade do espírito. “A substância aliena-se de si mesmo e torna-se autoconsciência, por isso, nesta religião, a essência divina é revelada”. (HEGEL apud GIUSEPPE, 1989, p.92).
Hegel admite que o finito se resulte no infinito, portanto, a morte de cristo é, o desaparecer da realidade sensível e singular do Deus-homem. Isto significa que Deus não pode transcender a consciência humana, mas nela reencontra-se como em sua própria essência, ademais, Hegel dissera que a verdadeira filosofia conduz o homem a Deus.
Em Hegel, Deus se encontra a partir do sentir e do pensar, o homem desperta a consciência de Deus através do pensamento, em suma Deus para Hegel é um ser puramente racional, visto que, sendo Deus uma essência racional todos os homens estarão aptos a conhecer esse Deus o qual será despertado a partir do sentimento e pensamento.
Deus é uma expressão dos sentimentos e nesta relação sujeito-objeto o homem não apenas terá uma relação com Deus, mas, passa a fazer parte do divino.

1.2. A crítica de Feuerbach a Hegel.

São vários os motivos os quais conduziram Feuerbach a criticar o pensamento hegeliano, um deles é o fato de partir de um conceito abstrato sobre a existência de Deus. Diante de tal ideia afirma Feuerbach: “Hegel parte do conceito do ser abstrato; porque não posso partir do próprio ser, ou seja, do ser real? Ou porque não da razão, dado que o ser me remete direito à razão?” (FEUERBACH apud SOFIA, 1999, p.70).
 A persistência com que Feuerbach afirma a identidade do ser e do sensível, da realidade e da existência, do espaço temporal e do saber empírico, é acima de tudo mera tentativa de transcender o pensamento de Hegel.  “A sensibilidade não tem nada a ver com a sensação do materialismo e de qualquer forma de realismo pré-idealista: a sensibilidade é a unidade verdadeira existente entre o material e o espiritual”. (FEUERBACH apud SEVERINO, 1986, p.52).
Segundo Feuerbach, o espírito é o sentido universal, a verdade dos sentidos não é uma verdade teorética, mas o fundamento perene da filosofia. Compreendemos a autenticidade de tal expressão do filósofo, pois ela tece uma relação que subsiste a Hegel, isto é, entre a ideia, as categorias e a experiência.
Feuerbach, não aceita a imutabilidade e a infinitude da Ideia a qual é inerente ao ser humano, mantendo sempre no que diz a ele próprio a função de Deus.  Por isso, quando Hegel afirma que a essência absoluta se desenvolve a si própria, torna-se verdadeira a partir do momento em que seja invertida. Tal afirmação pretende sustentar, segundo Feuerbach, um movimento puramente lógico exterior ao tempo. Partindo destes pressupostos, podemos afirmar que somente uma essência como a do homem é uma essência absoluta e real. Somente o homem é capaz de fazer uma experiência com o real.
Feuerbach encontra no protestantismo uma passagem prévia para a antropologia materialista, uma antropologia religiosa que humaniza Deus. “O protestantismo já não se preocupa com o que é Deus em si mesmo, mas unicamente com o que ele é para o homem, e, por isso, já não tem uma tendência especulativa ou contemplativa é apenas cristológica, ou seja, antropologia religiosa”. (FEUERBACH, 1988, p.60).
Portanto percebemos que, segundo Feuerbach, a filosofia especulativa hegeliana é um apoio da teologia, visto que Hegel racionalizou e atualizou Deus a partir das determinações do pensar construindo um cogito alienado, ou seja, de um lado a existência empírica e do outro sua essência, a qual subsiste uma ilusão de um objeto transcendental.
“Deus é em si mesmo um som sem sentido, uma simples palavra, só predicado Deus é sua realização do próprio homem e sua significação”. (FEUERBACH apud SOFIA, 1999, p.70). Hegel deu á filosofia um sentido de religião plasmada em pensamento de forma discursiva de maneira que sua filosofia se converteu numa nova modalidade de alienação do ser humano.
 “Embora em Hegel Deus deva ser a essência do homem, Deus nunca se identifica com indivíduos históricos reais, mas, os transcende”. (FEUERBACH apud EMANUELE 1986, p.52). Feuerbach inverte o sentimento da teologia em antropologia, os predicados divinos passaram a ser predicados sumamente humanos.
Para entendemos o idealismo como algo que não parte da realidade, antes abstrai dos objetos reais percebidos pelos sentidos, o que para Feuerbach, não se opõe à abstração em geral, mas sim ao abuso idealista da abstração. Hegel encontra Deus no infinito com um intercâmbio com o finito “o homem” e, através desta junção se atinge o absoluto.
Feuerbach, ao contrário, reduz toda a teologia à antropologia, transcendência inteligível de Hegel para um mero sentimento da razão humana transferindo para o ser humano todas as qualidades divinas, daí percebe a dicotomia que houve entre Hegel e Feuerbach no que diz respeito à religião. Deus não é mais visto como um ser racional, mas, passa a ser a própria razão sentimental do homem que busca incessantemente a sua realização.






1.3. A essência do homem
Iremos explicar a essência da natureza do homem numa concepção filosófica a partir de Feuerbach, visto que a diferença entre o homem e o animal está justamente nesta capacidade racional, o que nos difere dos animais.
“Por isso, tem o animal apenas uma vida simples, mas o homem uma dupla: no animal é a vida interior que identifica a exterior, o homem possui uma vida interior e uma exterior. O homem pensa, ele conversa fala consigo mesmo”.(FEUERBACH apud EMANUELE, 1986, p.54).
Portanto entendemos que para Feurbach, o que distingue o homem dos animais é a sua capacidade racional, é a interação social que temos, a qual nos faz superiores aos animais, não apenas o homem enquanto sujeito, mas enquanto espécie e se torna objeto de construção do seu próprio “devir”.
A consciência  infinita que cada indivíduo deve ter de si faz parte da essência do homem, este homem consciente de sua humanidade; e deve ser por via da religião que se deve despertar tal consciência.
“Mas a religião é a consciência do infinito; assim não é e nem pode ser nada mais que a consciência que o homem tem da sua essência não finita, não limitada, mas infinita”. (FEURBACH, 1988, p. 69). O homem é visto como um ser tão consciente que ele é capaz de descobrir dentro do seu próprio ser a dimensão transcendental da espécie, o potencial humano que designa seus sentimentos.
“Os sentimentos humanos tem uma importância ontológica. São nos sentimentos humanos mais comuns que estão ocultas as verdades mais profundas”. (FEUERBACH apud MANOEL, 1991, p. 60). Por conseguinte Feuerbach demonstra toda confiança antropológica na essência sentimental do homem. “A essência do homem da qual ele é consciente, a própria humanidade do homem; a razão, vontade, e o coração”. (FEUERBACH, 1988, p. 44).
Segundo Feuerbach, essas três faculdades citadas compõe a essência do ser humano, poderíamos defini-las como dons inatos os quais estão presentes no interior da espécie como, a razão, a qual, representa o raciocínio e a capacidade pensante do homem. “Um homem completo possui a força do pensamento, a força da vontade, e a força do coração”. (FEUERBACH, 1988, p.45).
O intelecto é entendido como uma luz que ilumina o homem para desenvolver suas capacidades, sociais e religiosas, as quais não pertencem a um sujeito, mas ao coletivo, ou seja, a humanidade. As faculdades do homem são tão importantes em Feurbach, que ele confia na sua capacidade intelectiva que está acima do homem individual e que constitui: “razão, amor e vontade”.
Quando se refere ao universal entendemos como algo que pertence a toda humanidade, uma forma de poder do inconsciente coletivo do homem absoluto e divinizado, o qual não pode resistir a estas qualidades.
As capacidades do homem; a autoconsciência, a razão, e a imaginação são novas qualidades obtidas por via da sua essência “razão, vontade e coração” que assim direciona o homem a ir além da capacidade instrumental, que é meramente animal. E extrai uma visão intelectual e criativa da realidade e do mundo material e espiritual com coesão interna e externa, integrando o homem ao meio social, sem estas capacidades não saberíamos construir uma vida a partir do “Antropus”.
Feuerbach é um dos filósofos da contemporaneidade que acreditou tanto no homem a tal ponto de depositar nele toda confiança, divinizando-o assim, como espécie e exaltando os sentimentos inclusive o amor fraterno que é um dos componentes da essência do homem.
Como poderia o homem sensível resistir ao amor, possui o homem o amor, ou antes, não é o amor que possui o homem?  Verdadeiro, perfeito divino é o que existe em função de si mesmo assim é o amor o poder do pensamento, aquele poder tranquilo e sereno. (FEUERBACH apud MANOEL, 1991, p.185).

Podemos averiguar que o autor expressa um narcisismo humanista, acredita no amor entre os homens, uma força que o diviniza sem a necessidade de um ser “absoluto”, tal amor, nos dá a impressão de um apelo à autoestima dos homens que precisa ser valorizada, visto que, tais qualidades do homem, “razão, vontade e coração”, levam a pessoa a viver em harmonia consigo mesma e com seus semelhantes; ideal este de que Feuerbach foi um grande defensor.
“A essência do homem está contida somente na comunhão fraterna, na unidade do homem com o homem e é tal unidade que se baseia na realidade da diferença entre o eu e tu”. (FEUERBACH apud SOFIA, 1999, p.79). Portanto percebemos que para Feuerbach, o homem é esse ser que faz tal experiência a partir do objeto em si, ou seja, o válido é o sensível sendo a realidade material, “o homem”, uma prioridade salutar.
O poder do objeto sobre o homem é o poder da sua própria essência, se entendendo o homem como objeto de si mesmo. Além de tudo isso, o homem, por via do seu potencial racional consegue desenvolver as suas qualidades, o que é denominada “perfeição divina”. É despertada uma eticidade do sujeito o qual está dependente do seu comportamento para um bem estar de todos os homens.
Então percebemos no homem Feuerbachiano não apenas um ser perfeito enquanto espécie, mas um ente que se valoriza esteticamente, exaltando a beleza e a grandeza do homem; tudo que é humano é aprovado. “A bela imagem é contente de si mesma... vaidade é apenas quando o homem namora a sua forma individual, mas não quando ele admira a forma humana... não pode conceber nenhuma forma mais bela, mais sublime do que a do homem”. (FEUERBACH apud SOFIA, 1999, p.84).
 Aqui é expressa a exaltação e a glorificação do homem enquanto ser meramente humano, porém este mesmo ser é considerado divino e perfeito enquanto espécie, sendo apenas os homens capazes de contemplar a beleza do ser, um homem que volta as origens gregas e tem a beleza como uma dádiva divina, e esta beleza também  compõe a essência deste novo homem.
“Só o homem possui alegrias e sentimentos puros, intelectuais. Só o homem promove os espetáculos teoréticos dos olhos. O olho contempla o céu... este olho vê na luz a sua própria essência”. (FEUERBACH, 1988, p.47). Entendemos o homem a partir de uma visão materialista, um ser que almeja as suas paixões e valoriza o belo, fazendo-o cada vez mais entusiasmado consigo mesmo, o que irá conduzi-lo a uma integração harmoniosa homem-natureza e que está ligado ao cosmo.
A partir destas perspectivas apresentadas, o homem precisa buscar a sua própria essência e seus próprios valores, priorizando a matéria, o “aquém”. È através da inteligência e dos olhos, em especial, que o homem contempla e constrói o seu próprio destino. Por conseguinte, o fim último do homem é o próprio homem.
A consciência humana passa a ser então a consciência do infinito. Surge, portanto, um panteísmo idealista que é transformado em materialismo ateu. A consciência do homem se torna algo consciente e este passa ter confiança em sua humanidade e os atributos racionais do homem se tornam cada vez mais fonte de inspiração para a sua jornada existencial.
A única base para a sua filosofia é a realidade sensível, por isso, a nova filosofia deverá ter como paradigma o próprio homem em sua totalidade: razão, vontade e coração. Este é novo homem contemporâneo que tem o seu advento no humanismo Feuerbachiano, um ser que busca dentro de si próprio a transcendência unindo o finito “o homem” ao infinito em uma substância sentimental e totalmente humana.    

1.4. A crítica de Feuerbach ao cristianismo


Um dos maiores críticos da religião em nossos tempos sem sombra de dúvidas foi Feuerbach, o qual investiu pesado contra a religião, em especial, o cristianismo. No entanto, nunca pretendera destruir a religião, mas, ao contrário, queria despertar no homem a consciência de seus atributos os quais são divinos e está no próprio homem. 

Se o homem religioso fosse diretamente consciente de si, que a sua consciência de Deus é a consciência que tem da sua própria essência, porque a falta da consciência deste fato e exatamente o que funda a essência peculiar da religião, para sanar este mal entendido é melhor dizer; a religião é a consciência primeira e indireta que o homem tem de si mesmo. (FEUERBACH, 1988, p. 56).

O homem tem um desejo inconsciente de encontrar Deus, consequentemente ele desenvolve uma estrutura ético-moral que irá designar a sua conduta como ser religioso e  social almejando uma vida virtuosa portadora de  tais sentimentos aplicados em uma práxis humana: amor, bondade, grandeza, eternidade. Como este não tem consciência de que é capaz de tais faculdades, atribui a um ser superior. A religião é tida como algo útil apenas para despertar no homem a sua essência humana.
“O homem transporta primeiramente a sua essência para fora de si antes de encontrá-la dentro de si”. (FEUERBACH apud SOFIA, 1999, p.79). Feuerbach observou que a religião poderá impedir o homem de descobrir o seu valor enquanto pessoa, inclusive da noção de que   é um ser inteligente e responsável por si mesmo, mas, no entanto atribui seus dons a Deus.
Tal ideia é o ápice da crítica de Feuerbach ao cristianismo, pois, se o homem é a essência de Deus e Deus é a essência do homem, destarte, ele não precisa de um ser superior, nem de um Deus que sofre na cruz pela humanidade, nem mesmo um ser que ama o seu povo, seria aqui declarada implicitamente a “morte de Deus?”.
Feuerbach, não vê nenhum sentido em aceitar um Deus que redime a humanidade através do sofrimento, visto que sofrer é meramente humano.
...E exatamente homens de impulso último de praticar o bem de viver e morrer para os homens do impulso divino do benefício que pretende tornar a todos felizes e que não exclui nem mesmo o mais repudiado, o mais “desprezível”. (FEUERBACH, 1988, p.104).

 Sofrer pelos outros passa a ser virtude ou impulso da espécie humana que se solidariza com o próximo, não a partir do exemplo de Cristo, mas do próprio sentimento que o homem traz em si, um sentimento de solidariedade e compaixão para com o seu semelhante. Aqui é descartado o amor como uma inspiração de Deus em relação ao homem na realidade terrena, não se preocupando com o bem do homem numa outra vida possível.
Para Feuerbach, Cristo significa o sacrifício e o compromisso com os outros e com a realidade, o fato de dar a vida por uma causa, ou se sacrificar por um objetivo é fator antropológico atribuído ao homem, e não fator religioso atribuído a Deus. O transcendente em Feuerbach se limita apenas nos sentimentos e nas atitudes antropológicas.
“O mundo da religião é essencialmente interessado. O homem é religioso, porque tem fome e sede, porque experimenta necessidades, esperanças e medos. Pelo culto, pela prece, pelo sacrifício e pelo rito, ele quer obter ajuda dos seus deuses”. (FEUERBACH apud MANOEL, 1991, p.180).
A religião é instrumento criado pelo homem para sanar as suas necessidades existenciais, motivo pelo qual se considera o homem um ser interesseiro. Se o homem não tivesse nenhum problema, jamais buscaria no absoluto seu consolo e soluções de suas dores e frustrações.
Neste ideal ateísta é deixado de lado à dependência que o homem criou em relação a Deus e é instaurada uma supra estima da espécie humana, é como se quisesse construir nova humanidade, um povo de autoestima elevada que supera todos os obstáculos, um homem “humano demasiadamente humano”.
Percebemos uma intuição, que é libertar o homem de todas as estruturas religiosas que faz com que vivamos em prol de outra vida. Mas, ao contrário, esse novo homem é convidado a enfrentar a vida e seus desafios, “viver com autenticidade”, libertar o homem para nova visão de si próprio. Este novo homem, por conseguinte, não deve satisfação para nenhuma entidade superior a ele, apenas ao próprio ser.
Em a Essência do Cristianismo afirma Feuerbach: “A crença na imortalidade é a crença na divindade do homem e, vice-versa, a crença em Deus é a crença na personalidade pura, livre de todas as limitações e exatamente por isso imortal”. (FEUERBACH, 1988, p.214).
Deus nestas perspectivas é o próprio homem libertado, ou consciente de sua realidade alienante em que outrora se encontrava. A partir desta fase, a essência de Deus passa a ser a autoconsciência do homem.
O homem afirma em Deus o que nega em si, o ateísmo é então o caminho necessário para o homem redescobrir a sua dignidade reconquistando a sua essência perdida, de tal forma que a questão do ser ou não ser de Deus torna-se questão do “ser ou não ser do homem”. Feuerbach concede ao homem o lugar do absoluto de Hegel, converte-o em ser supremo, “a medida de todas as coisas” e de toda a realidade que o envolve.
Tal posição fundamenta toda a sua crítica do cristianismo e da teologia, percebendo logo a ligação que Hegel fizera entre “consciência finita e consciência infinita” entre Deus e homem.   A partir daí o espírito humano não é assumido no absoluto, mas o espírito absoluto passa a ser reduzido ao espírito finito do próprio homem.
Deus a partir deste pensamento não deixa de existir, destarte, passa a ser o próprio homem que se idolatra, exaltando-o a tal ponto de se fazer vítima para defender a sua espécie, Deus é descartado, mas o sentimento religioso continua, o homem divinizando ao próprio homem.


A ESSÊNCIA DE DEUS É A ESSÊNCIA DO HOMEM
           
2.1. A verdadeira religião é a antropologia
Uma das principais teses que fundamenta a crítica de Feuerbach ao pensamento de Hegel foi A Essência do Cristianismo, a qual reduz o mistério da teologia em antropologia, o homem passa a ser o ponto de partida da nova filosofia; o começo da filosofia não é mais Deus, nem o absoluto, mas, o finito.
A lógica hegeliana é a teologia reconduzida a razão e ao presente, a teologia feita lógica. Assim como o ser divino da teologia é a quintessência ideal ou absoluta de todas as realidades, isto é, de todas as determinações de todas as finalidades, assim também a lógica (...) a essência da teologia é a essência do homem transcendente, projetada para fora do homem; a essência da lógica de Hegel é o pensamento do homem posto fora do homem. (FEUERBACH apud URBANO, 1991, p.105).  
     
Algo determinado, o que Feuerbach irá afirmar que a nova filosofia faz do homem um objeto único e universal. Deus deixa de ser o centro de estudo, e o homem volta novamente ao antropocentrismo, é uma regressão aos valores do próprio ser do homem tornando-o ser supremo. O primeiro objeto de estudo do homem é o próprio homem, aqui é visto um ser social que constrói ambiente de relação com outros homens. Feuerbach mostra um homem que deve redescobrir o seu valor, a sua natureza, visto que não há sentido buscar meios de um encontro com o absoluto fora dele. Ele cria uma teoria universal do homem, um ente que não está sozinho, pois pertence a uma espécie perene que encontra o absoluto dentro de si.
A religião apresenta imediatamente a essência interior do homem como uma essência divina objetiva. E a demonstração nada deseja além de provar que a religião tem razão. O ser mais perfeito é o ser acima do qual não pode ser pensado nenhum ser  mais elevado, Deus é o que há de mais elevado que o homem pensa e pode pensar. (FEUERBACH, 1988, p.119).

Portanto percebemos que, para Feuerbach, é impossível existir um ser além do pensamento do homem, sendo que é por meio da razão que pensamos Deus. Ele é um ser puramente racional, ou seja, o próprio homem. Por isso, Feuerbach, não se preocupa com outro ser exterior ao homem, mas procura construir uma ideologia humanista voltada para a própria espécie.
O próprio Feuerbach considera a sua filosofia como algo de superação do pensamento de Hegel. Valoriza o homem como ser sensível dotado de sentidos e considera indissolúvel a relação do pensamento com a realidade material, o homem é inseparável da natureza.
“A nova filosofia transforma a natureza como base deste; no objeto único, universal e supremo da filosofia, fazendo assim da antropologia uma ciência universal”. (MANOEL 1991, p.182). Feuerbach procura criar nova ideologia a partir do pensamento de Hegel: de uma filosofia do espírito passa a ser uma filosofia do homem concreto. Procura recuperar o mundo dos sentidos desprezado por Hegel.

Nestes termos, o homem Feuerbachiano é um ser integrado ao conjunto de todas as forças, coisas e seres sensíveis que o homem diferencia de si como não humano, a natureza é tudo aquilo que se oferece ao homem imediata e sensivelmente como fundamento e objeto da sua vida. Para Feuerbach natureza é luz, magnetismo, ar, água, fogo, terra, animal, vegetal e homem... Por natureza não entendo nada místico, nada nebuloso, nada teológico, a natureza é corpórea e material. (FEUERBACH Apud MANOEL, 1991, p.184).


             Este é o novo homem materialista e dono de si, sendo capaz de construir um novo caminho, é o homem liberto da tradicional teologia teocêntrica, o qual é convidado a voltar a si próprio, se divinizar não apenas o homem como individuo, mas todos os seres humanos. Ao invés de estudar uma teologia fora do homem, Feuerbach volta aos seus sentimentos e vontades, é neste ser frágil e finito que se encontra o ponto máximo de sua filosofia.


2.2. A religião como alienação

Feuerbach vê na relação transcendental que tem o homem com o absoluto é apenas a relação consigo mesmo, de tal maneira que as qualidades que se atribui a Deus são qualidades humanas projetadas para fora do homem. Tudo aquilo que está no desejo do homem, mas, ele não consegue concretizar depositando na religião, o que para os crentes seria fé para Feuerbach é apenas “projeção”.
Feuerbach critica a religião por não dar importância à vida presente, transferindo toda a esperança de libertação para a vida futura, “o céu”, por isso, o homem religioso não busca a libertação das injustiças, sofrimentos e misérias deste mundo. Partindo destes princípios à religião nos direciona a uma aceitação de todas as calamidades do mundo sem lutar contra elas projetando a felicidade em outra vida.

Quando a vida é uma verdade e a vida terrena é uma mentira, quando a fantasia é tudo, a realidade não é nada. Quem crêr numa vida celestial eterna esta vida perde o seu valor; a crença na vida celestial é exatamente a crença na nulidade e imprestabilidade desta vida. (FEUERBACH, apud  Urbano, p.103, 1991).

  
            Percebemos então a situação do homem, que alienado de sua realidade existencial, se esquece de almejar um caminho para a solução dos seus problemas, esperando apenas numa possível solução divina. A vida na terra não tem sentido, o homem não vive em prol de si, mas voltado para Deus.
Ao projetar o seu próprio ser em Deus, o homem cria uma dicotomia tomando como divino algo que é humano; fazendo da sua existência, algo que depende do sobrenatural, é o homem que se acomoda e não almeja uma vida melhor aqui na terra. Karl Marx, que fora contemporâneo de Feuerbach, o qual fez ferrenhas críticas acerca do seu pensamento, embora ambos tenham em comum o ateísmo, como ponto de partida do pensamento filosófico, encontrando no mesmo um caminho para solucionar os problemas da humanidade. 
Orientando o homem para Deus a religião encerra-o nesta relação individual, tira-o do engajamento comunitário. Em definitivo ela substitui uma relação ilusória a um conjunto de relações reais, priva o homem da sua essência comunitária e de um ponto de vista moral canoniza o egoísmo. É este um aspecto fundamental da alienação. Recusar a religião significa para Marx, recusar esta forma de alienação em nome da vocação do amor. (JULIO, 1968, p.114).


Entendemos, portanto, que tanto Marx quanto Feuerbach, veem a religião como uma ilusão, impedindo o homem de viver a sua humanidade. Nestas perspectivas, o homem só conseguirá viver bem quando se libertar de todos os fardos que lhe impedem de viver o aquém, isto é, ser humano e desenvolver suas capacidades, construindo a vida terrena, sem pensar no além.                                                                                                                                                                                                                                    
Para o homem alienado, Deus é tudo de bom e o homem ao contrário. “... Mas a religião nega em seguida o bem como uma qualidade da essência humana: o homem é perverso, incapaz do bem e corrompido, mas em compensação somente Deus é bom, o bom ser”. (FEUERBACH, 1988, p. 69).
Vimos então que o fato do homem se achar incapaz de obter tais qualidades, as quais são divinas, porém, não se deu conta que está nele. Diante de tal situação, o homem objetiva os seus anseios em um além que não existe. “O homem afirma em Deus o que nega em si mesmo”. (FEUERBACH, 1988, p.70). Em Feuerbach, quando homem exalta Deus nega a si próprio e sua grandeza universal.
O homem religioso aliena-se assim, em proveito de uma ficção; empobrece a sua substância humana; vai mais longe, encontra prazer no empobrecimento, na humilhação, na sujeição e simultaneamente desvia da realidade da existência terrestre... Para que Deus se enriqueça é necessário que o homem se torna mais pobre; para que Deus seja tudo o homem tem de ser nada, objetiva a sua essência. FEURBACH apud EMANUELE, 1986, p. (181).

Feuerbach critica a visão da simplicidade cristã, para ele não é necessário que o homem se faça pequeno para encontrar Deus, sendo que este já está nele. Porém, existe a necessidade da elevação da consciência do homem de que ele é capaz de obter seus dons por meio dos sentimentos, defendendo uma crença em si mesmo para concretizar os seus anseios. “O homem por si só atinge a sua meta, ele atinge em Deus, Deus é ele próprio, esta é a meta mais elevada da humanidade”. (FEUERBACH apud SILVANO, 2003, p.201).
Se o homem é um ser independente, logo ele será apto a superar todos os seus obstáculos, visto que, sendo Deus a própria essência do homem ele precisa tomar consciência e se esquivar de qualquer manipulação, sendo a religião o foco preferencial desta fuga.
Feuerbach é humanista, defende o valor divino do homem, a partir de tais perspectivas podemos afirmar que, toda visão religiosa leva o homem para uma alienação, limitando-o aos fundamentos e dogmas religiosos, visto que, estes são tidos como empecilhos para a auto realização.        
       
2.3. A relação eu e o tu como plenificação da espécie humana


Feuerbach apresenta uma antropologia que busca a unidade entre os homens, tal unidade é “comunitária”, entre indivíduos e espécie, aqui o homem individual se torna universal tendo em vista o amor como princípio do pensamento do homem.
Em Feuerbach, o eu finito enquanto indivíduo experimenta a si mesmo numa vivência existencial, totalmente distante dos padrões tradicionais em que se vivia em sua época, “o teocentrismo”. Nestas perspectivas surge uma junção do finito com o infinito, dando origem à religião, visto que, esta só nasce quando o homem busca tudo que está em si fora dele “projeção”.
O homem precisa valorizar a sua espécie, construindo assim uma mística fraternal em que possa colocar em primeiro lugar a vida, é o homem que si relaciona com os outros e, nesta relação ele poderá descobrir o valor de si mesmo, e o valor de toda criação, de forma que este estar interligado com a natureza é uma qualidade do homem universal.
Sem o outro o universo não só seria para mim morto e vazio, mas também sem sentido e sem razão. Somente através do outro se torna o homem claro para si e consciente de si mesmo; mas somente quando eu me torno claro para mim mesmo torna-se o universo liberado... A consciência é proporcionada ao eu através da consciência do tu. Assim o homem é o Deus do homem. O fato de ele existir deve a natureza, o fato dele ser homem deve-se ao homem. (FEUERBACH, 1988, p.126).

             Constatamos, portanto, a importância da relação fraterna a qual é tida como caminho para a sociedade do futuro, Feuerbach acredita numa cultura integrada “homem e natureza”, onde há uma interligação dos dois, e estes não podem existir separadamente. Assim como o homem não pode viver sozinho, mas, em sociedade, sendo por meio das relações humanas que se dá conta de sua humanidade e da pluralidade que há entre os seres e uma mútua unidade, a qual é reconstruída a partir do tu, ou seja, a vida em comunhão com os outros seres humanos. 
A nova filosofia além de ser considerada uma ciência universal converte o homem em um objeto único da antropologia. Feuerbach passa a considerar o homem um ser de relações e não apenas um homem individual, por isso, o ser do homem só se encontra na comunidade, é criada nova ética, a ética do altruísmo.
Ética que almeja o bem estar de todos os seres humanos, sendo por via desta harmonia que a humanidade encontrará o caminho para o progresso. A ética Feuerbachiano não deve ser algo que esteja elaborado, mas deve partir das relações dos seres humanos. O homem torna-se responsável pelo seu próprio caminho, elevando-se ao trono de Deus, sendo ele próprio consciente de sua grandiosidade humana e intelectual. O altruísmo é a chave para a felicidade dos homens. Está proclamada a divinização do homem. O homem se fez deus e conquistou o mundo. Na unidade recíproca do homem com os seus semelhantes, deixa de existir o individual e passa a prevalecer à coletividade. Juntos, os homens vão além dos seus objetivos.
Isolado o poder humano é limitado, unido é infinito. Limitado é o saber do indivíduo, mas ilimitada é a razão, ilimitada é a ciência, porque ela é um ato conjunto da humanidade e na verdade não só por colaborarem muitos na construção da ciência, mas também no sentido interno de que um gênio científico de uma época reúne em si ideias dos gênios passados; espírito, sagacidade, fantasia, sentimento. Todas estas chamadas faculdades da alma são forças da humanidade, não do homem individual, somente quando o homem fala com o homem num ato comunitário surge à razão. (FEUERBACH, 1988, p.127).

Feuerbach é um dos filósofos que acredita na ciência como meio de superação dos limites humanos, destarte, a ciência é vista como possibilidade de um conhecimento coletivo, o qual contribua para o bem estar de todos e para o progresso da sociedade.
Mas os pagãos não só contemplam o homem em conexão com o universo; eles contemplam o homem, aqui o individuo somente em conexão com outros homens, em união com uma coletividade. Distinguiam rigorosamente pelo menos enquanto filósofos entre o indivíduo e a espécie, entre o indivíduo enquanto parte do todo e a espécie humana, e subordinavam o indivíduo ao todo. Os homens acabam, mas a humanidade continua. (FERUERBACH, 1988,  p.192).

Verificamos que, segundo Feuerbach não se pode pensar o mundo apenas no presente, mas é preciso acreditar no mundo futuro, por isso, se faz necessário à coletividade, a valorização de todos, os quais devem preocupar-se com a comunidade, levando em consideração o futuro da humanidade.
Por conseguinte, o amor e a união fraterna são considerados suporte para o bem estar do homem no limiar de sua história. “A minha vida está ligada a uma época limitada, mas não a vida da humanidade” (FEUERBACH, 1988, p.194). O futuro é visto a partir da perpetuação  da espécie, aqui o homem não é eterno, porque alcança a vida celestial, mas por pertencer ao gênero humano, preocupando-se com o bem estar hoje para obter um futuro melhor. O homem Feuerbachiano não é individualista, mas depende sempre do outro para a sua realização. “Falta aqui à visão objetiva, a consciência de que o tu pertence à perfeição do eu, de que só o homem completa o homem, de que só em conjunto podem os homens ser o que o homem é e deve ser”. (FEURBACH, 1988, p.196).
As adversidades intelectuais que existem entre as pessoas não são causas de contendas, mas são itens que contribuem para o progresso da comunidade.

Os amigos se completam; a amizade é uma fonte para a virtude e ainda mais; ela própria é virtude, mas uma virtude comunitária. Somente entre virtuosos pode haver amizade, como diziam os antigos. Mas não pode haver uma igualdade total deve antes haver uma diferença, pois a amizade se baseia no instinto de complementação. O amigo através do outro. A amizade purga as falhas de um através do outro. Se eu mesmo não posso ser perfeito, pelo menos amo a virtude, a perfeição nos outros. (FEUERBACH, 1988, p. 197/198).

  O novo homem é aquele que mesmo não tendo grandes virtudes deve valorizar as virtudes dos outros sendo que é por meio da amizade e das boas ações que se constrói esta relação fraterna, não apenas entre os seus membros. Nesta dialética fraternal é que se consuma o ideal do homem que não pode perder a consciência da sua responsabilidade recíproca.

Mas o homem não pode perder a consciência do gênero, porque a sua própria consciência está essencialmente relacionada com a consciência do outro... O outro é o meu tu, mesmo sendo recíproco é o meu outro eu, o homem objeto, o meu interior revelado o olho que se vê a si mesmo. Somente no outro tenho a consciência da humanidade; somente através dele eu experimento, sinto que sou homem; somente no amor por ele torna-se claro que ele pertence a mim e eu a ele, que ambos não podem existir um sem o outro, que somente a comunidade se faz humanidade. Portanto a aprovação do outro vale para mim como sinal de convivência, de universalidade, de verdade dos meus sentimentos. (FEUERBACH, 1988, p.198/199).

Feuerbach se compromete assiduamente com o novo homem, o qual deve usar como paradigma os seus próprios valores pondo em destaque as virtudes, é o homem usando o homem como espelho, e edificando uma corresponsabilidade comunitária, visto que são nestas relações que os homens adquirem as suas faculdades, por via, dos bons exemplos dos outros os quais fazem parte da comunidade. Aqui é construído um ideal a partir de uma interligação de forças, ideais, virtudes e práxis. È nesta conjuntura que o homem supera todas as suas limitações. O homem não consegue ser virtuoso por si só, mas por meio da comunidade universal da espécie humana. Prevalece, em Feuerbach, a ideia de que o caminho viável que o homem deve seguir é o da consciência dos dotes e capacidades as quais são atribuídas a Deus. Além da fraternidade que faz parte do novo caminho a ser construído. Percebemos um socialismo ateu e utópico, o qual almeja constituir um ideal de sociedade fraterna e materialista ao mesmo tempo. Apesar do autor ser contemporâneo de um período histórico onde se valorizava o individualismo, a razão, a ciência, entre outras valores humanos, todavia, percebemos um forte ele de solidariedade, nesta perspectiva, o ser humano se realizará tão somente pela vida em comunidade.













O ATEÍSMO PSICANALÍTICO DE FREUD: UM PARALELO À PROJEÇÃO RELIGIOSA DE FEUERBACH.



3.1. A religião como uma neurose infantil “projeção”.  



Até o presente momento desenvolvemos o trabalho acerca do homem e da religião, tendo em vista o pensamento de Feuerbach. Neste terceiro capítulo iremos demonstrar em síntese o ideal religioso de Sigmund Freud, no qual almejamos evidenciar algumas compatibilidades que há entre os dois pensadores no que se refere à religião.
Para Freud, a religião é apenas uma fuga dos problemas recalcados no inconsciente, no tempo da infância: “A neurose é a fuga ao mundo infantil. Aí os conflitos que não foram resolvidos na infância celebram sua ressurreição”. Freud vê a religião como regressão do adulto ao mundo ideal infantil. Nessa regressão o pai exerce papel importante devido ao complexo de Édipo. Representa uma fase decisiva entre os 4 -6 anos de idade. No seu relacionamento carinhoso com a mãe, a criança sente o pai como rival. Divide o amor da mãe com o pai. Por isso, formam-se desejos agressivos em relação ao pai. Tais desejos serão exilados para o porão do subconsciente e a criança aprende o que si ensina em seu meio cultural. (FREUD apud URBANO, 1999, p. 146).

            Freud deixa evidente que, a origem do desejo pela religião surgira na infância de todos os seres humanos, e partindo do ideal citado tudo não passa de fantasia criada nesta fase da vida. Sendo a religião neurose infantil, podemos entendê-la como defesa inconsciente que o sujeito procura para fugir do sofrimento.

Freud construiu uma teoria fundamental da neurose. A neurose resulta de uma repressão pelo ego de impulsos do id. O impulso reprimido ameaça, apesar da repressão, de irromper na consciência e no comportamento. Para defender-se de novo dele, desenvolve-se o sistema neurótico que visa, de um lado, a satisfação substitutiva do impulso, mas, por outro lado, é uma tentativa de afastá-lo definitivamente. (DICIONÁRIO de Psicologia Dorsch, 2001, P.612-613. Ed. Vozes, rio de Janeiro).

            A idéia de um líder dominador, ou um super-herói, a neurose, segundo Freud, tem como origem no inicio da vida, quando a criança vê no pai uma ameaça, que disputa consigo o amor da mãe, mas não conseguindo vencê-lo e sentindo a necessidade de proteção, surge o recalque de sua revolta a qual irá se manifestar na vida adulta continuando o homem desejando para si um ser forte e protetor: que castiga, mas, também consola.
“A religião aparece como temor e medo do castigo e desejo do consolo. É a resposta à dureza da vida. Com isto a religião é um aspecto neurótico da cultura. Na religião o homem foge da realidade escondendo-se num mundo ideal de infância”. (FREUD apud URBANO, 1991, p. 147).
O desejo de Deus que tem o ser humano será sempre o desamparo infantil, pelo fato do homem ter em seu inconsciente o desejo de um pai superprotetor, destarte ele cria a imagem de um Deus, “construindo uma imagem masculina e nunca feminina fazendo da religião uma regressão ao passado, vivenciando o dilema da carência do pai”, (URBANO, 1997, p.150).
A partir das perspectivas do filósofo, verificamos que o homem teme o futuro, tanto quanto a vida presente, surgindo como consequências desse temor grande necessidade de projetar a sua vida para um futuro em que ele não conhece, mas prefere acreditar nesta fantasia, que seria a vida eterna.
Freud investe pesado contra a religião, não apenas negando a existência de Deus, mas vendo-a como uma doença psicológica que afeta toda a humanidade, seria uma forma de dependência coletiva do inconsciente, uma sombra do inexistente.
Foi assim que se criou um cabedal de ideias nascida da necessidade que tem o homem de torna tolerável seu desamparo, e construindo com o material das lembranças do desamparo da sua própria infância e da infância da raça humana. Pode-se perceber claramente que a posse dessas ideias protege-o em dois sentidos: contra os perigos da natureza e do destino, e contra os danos com que ameaçam a sociedade. (FREUD apud URBANO, 1991, p.149).

            Entendemos que podem ser visíveis os reflexos em que Freud mencionara como causa do fenômeno religioso, levando-nos a crer que, se o homem não fosse tão vulnerável a sua realidade existencial ele nunca buscaria a religião como consolo de suas frustrações. Mas partindo das ideias de Freud, o homem não busca Deus porque ele crer, mas porque isto se torna necessidade profunda de um Ser superior e por ser Deus uma imagem masculina, Freud atribui ao desejo de um pai protetor, um fator adquirido na infância. Nesta totalidade conflituosa de imagens e fantasias o homem se vê em um caminho sem volta sendo condenado a crer em uma ilusão.

O homem no seu aparelho psíquico está dotado de uma fantasia inconsciente; é uma fantasia de absoluto, de onipotência, desejo de transcendência. A pulsão ao nos fazer atualizar esta fantasia, faz-nos experimentá-la como um desejo: desejo de não morrer, de imortalidade. Mas a realidade também frustra esse desejo do ser humano; constantemente está falando que o ser humano é mortal, que é limitado e finito. O desejo de transcendência vê-se frustrado pela realidade. Cria-se assim um conflito entre sua necessidade de transcendência, de absoluto, de permanência e realidade que lhe diz: “tudo acaba aqui”. Esse conflito básico provoca no ser humano o desencadeamento da angústia, uma angústia vital que afeta o mais profundo do homem e que facilmente se faz intolerável. Como consequência dessa intolerância ‘a realidade existencial, o ser humano tem que por em funcionamento mecanismos de “negação da realidade”. A defesa religiosa nos diz que não morreremos que somos imortais. Em resumidas palavras o que pretendemos com a religião é converter os nossos desejos em realidades. (JUAN, 2000, p.66).


            Segundo o nosso comentador, Freud irá desenvolver todo o seu pensamento no que diz respeito à religião fundamentando suas ideias em três princípios básicos da projeção humana: fantasia, desejo e defesa: a fantasia é um desejo de onipotência, ou seja, Deus é sempre um ser forte e supremo que cria, destrói e constrói, mas também ampara.
 O desejo é um sentimento que nos leva almejar a imortalidade, tal desejo induz o indivíduo à fuga da realidade direcionando-nos para uma realidade suprassensível que esteja além do homem, tudo o que ele desejaria ser, mas não consegue devido a sua limitação humana e a defesa, diz que não iremos morrer, somos imortais. Em uma carta enviada ao seu amigo Fliess, Freud deixa nítida a sua visão acerca da religião.

Você conseguiria imaginar o que sejam “mitos endopsíquicos?” É o último produto do meu esforço mental. A tênue percepção interna do próprio aparelho psíquico estimula ilusões do pensamento que naturalmente, são projetadas para o exterior e, tipicamente para o futuro e para o além, tudo são reflexos de nosso mundo psíquico interno... Psicomitologia. (FREUD apud JUAN, 2000, p. 67).


A religião aqui é vista como uma intuição mitológica da nossa mente e não como um princípio de fé; destarte, não existe verdade revelada, mas uma verdade criada, o homem tem fé, porque se sente abandonada pela vida, restando-lhe apenas a fantasia como apoio emocional.
Para Freud, a base de toda a nossa organização fantasmática é justamente esta fantasia de onipotência, o fato de não nos resignarmos por não sermos onipotentes, por termos que morrer: a respeito da ação, não conformamos com que nem tudo seja possível e perfeito. Em poucas palavras, na nossa fantasia profunda se oculta o desejo expresso nos Gêneses; “sereis como deuses”. No fundo todo homem deseja ser Deus. (JUAN, 2000, p. 76).


Deus é eterno, no entanto, o homem por ser sua criatura, almeja no mais profundo do seu ser, a eternidade. É o homem que não podendo ser eterno, eterniza ao menos o seu anseio. Feuerbach também acreditara nesta idéia projetada que o homem faz de Deus. “Deus é a existência correspondente aos meus desejos. A natureza, este mundo é uma existência que contradiz os meus desejos, os meus sentimentos”. (FEUERBACH, 1988, p. 214).
Observamos uma mera compatibilidade de pensamento entre os dois filósofos citados, ambos veem no desejo que o homem tem de alcançar Deus, apenas uma fantasia do que desejaríamos ser, visto que Deus é tudo aquilo que o homem não pode atingir e ao mesmo tempo não pode ser. “Para Freud, a base de toda a nossa organização fantasmática é justamente esta fantasia de onipotência, o fato de não nos resignarmos por não sermos onipotentes, por exemplo, a respeito da vida”. (JUAN, 2000, p 76).
Portanto, constatamos que a visão de Freud a respeito da religião leva-nos a crer que, o homem é um ser que traz em seus arquétipos um princípio religioso, princípio este que segundo o nosso autor não passa de neurose coletiva a qual herdamos da cultura que estamos inseridos.
Por isso, o homem é este ser doente que depende da religião para fugir da sua realidade em que a vida lhe proporciona o homem não quer aceitar a sua finitude e limitação. Daí cria-se mecanismos de defesa, os quais irão convencê-lo de que ele tem um Deus que protege e lhe oferece uma vida eterna e perfeita tendo tudo o que não tivera nesta vida. Entretanto, compreendemos que tanto em Freud quanto em Feuerbach o homem não é apenas um ser de projetos, estar mais para um ser de projeções.
“O ser humano que não pode satisfazer as suas necessidades, na realidade separa-se do mundo exterior, cria um mundo interior próprio e nele se satisfazem de forma ideal todos os seus desejos. A religião nos ajuda a satisfazer na imaginação o que na realidade não podemos realizar”. (JUAN, 2000, p.78)
O homem se enquadra nesta visão psicanalítica, como sujeito que tem dependência cultural e psicológica da religião, e as suas frustrações de infância contribuem para toda a sua vida inclusive a religiosa, ele sempre irá buscar um Deus superior, Deus este que nunca poderá encontrá-lo, visto que tudo não passa de uma mera fantasia, a qual o homem se torna preso devido os seus sentimentos em relação ao seu pai, que ficara escondido em seu inconsciente. Quando Feuerbach afirma que para que Deus seja tudo, o homem e o mundo teêm que ser nada, podemos considerar que tanto Freud quanto Feuerbach, atribui ao ser humano uma dimensão fantasmática, fazendo da felicidade uma projeção para uma vida celestial, descartando a possibilidade de uma auto realização neste mundo.  “Quem crer numa vida celestial eterna, esta vida perde o valor: a crença na vida celestial é exatamente a crença na  nulidade desta vida”. (FEURBACH, 1988, p.113). 
Mediante tanta alienação religiosa em que vive a sociedade, destarte, não é difícil falar em “projeção religiosa”. Freud com muito afinco dissera que a religião fora criação humana, concernente a tal ideia de Feuerbach em sua principal obra. A Essência do cristianismo evidencia algumas semelhanças com o pensamento freudiano.
O homem deseja que a satisfação dos seus desejos e necessidades seja imediata, pois, para ele existe um abismo entre objeto desejado e os seus desejos, entre a meta da realidade e a meta da imaginação. Então, para acalmar esse lamento, para se libertar das limitações da realidade, estabelece um ser verdadeiro e supremo, o ser que realiza o objeto pelo mero eu quero. (FEUERBACH, 1988,  p.156).
  
            Observamos nesta citação que Feuerbach chegou a conclusão que o homem cria a partir da religião tudo o que ele almeja para a sua felicidade terrena, fazendo da mesma, objeto de imaginação e desejo o que Freud denominou de “projeção religiosa”. Quando falamos sobre tal tema a partir de Freud, logo, entendemos que tal necessidade tem como origem à carência de um pai superprotetor.
Apesar de Freud e Feuerbach considerarem o homem um ser de projeção, queremos evidenciar que Feuerbach tem uma visão positiva do ser humano, ou seja, a alienação só permanece enquanto o mesmo não se dá conta da capacidade que temos de superar os nossos limites. O homem Feuerbachiano quando se torna consciente de que ele é um ser capaz de construir um mundo baseado apenas na dimensão antropológica, visto que Deus é tudo aquilo que o homem deseja ser, ele passa a ter visão positiva da vida, libertando-se da alienação causada pela religião.
Enquanto Freud é um pouco pessimista, vendo o homem como eterno dependente deste Deus superior, que nunca irá atender as suas carências, fazendo com que o homem permaneça com suas frustrações e desenganos com a vida; enquanto Feuerbach aposta no homem como sujeito de si próprio, Freud transfere para a ciência, a solução dos problemas neuróticos da religião. “A fé na ciência substitui a fé em Deus” (FREUD apud URBANO, 1991, p.151). Ao avesso de Feuerbach, Freud não sugere ao homem comunitário uma possível superação das misérias humanas, mas confia na ciência, “o que a ciência não nos fornece também a religião não poderá fornecer, nossa ciência não é ilusão” (FREUD apud URBANO, 1991, p. 151). Vejamos o ideal que Feuerbach teve acerca da imagem do pai, o qual o homem projeta imaginando ser Deus.

Na confiança de que o ser onipotente e absoluto é o pai dos homens, que é um ser que participa que sente que ama: que então os sentimentos e os desejos mais sagrados para o homem são verdades divinas. Mas a criança não se sente dependente do pai; ela tem antes no pai o sentimento da sua força, a consciência do seu valor, o penhor da sua existência, a certeza da realização dos seus desejos; no pai está o lastro do cuidado; ao contrario vive despreocupado e feliz na confiança no pai. (FEUERBACH, 1988, p. 165). 


             Feuerbach admite a dependência projetiva que o homem tem em relação a Deus como pai protetor, um ser poderoso que vem em socorro da miséria humana.
A essência da fé que se constata em todos os seus objetos, até no mais especial é que o homem deseja ser imortal logo, ele é imortal, ele deseja que exista um ser que pode tudo que pode tudo o que seja impossível à natureza humana e a razão, logo existe tal ser; ele deseja que exista um mundo que corresponda aos desejos da afetividade, um mundo da subjetividade ilimitada. (FEUERBACH, 1988, p. 169).

             O homem cria a realidade fictícia como subterfúgio da realidade, almejando a felicidade plena que possa fazê-lo feliz e imortal, em suma, o ser humano tem um desejo inconsciente de imortalidade.  Nestas perspectivas o homem não é religioso por natureza como afirmam muitos teóricos, mas é fruto da sua própria realidade inconsciente, em que ele não descobre a sua capacidade de superação dos seus obstáculos, e acaba criando um Deus objetivado fora dele, isto, para Feuerbach. Segundo Freud, além da busca inconsciente, ele também almeja algo que seja diferente da sua realidade, a partir de então a religião é uma tentativa de resolver todas as suas dores e decepções com vida tão dura e de uma árdua realidade.


                                      Considerações finais

Concluindo este árduo trabalho de pesquisa, a respeito da religião, faremos algumas considerações acerca do filósofo pesquisado. O homem é um ser que tem em sua origem princípios religiosos, por isso, até os dias atuais não se conseguiu constatar nenhum povo que vive sem o seu culto religioso, deste modo, a religião faz parte da essência antropológica do ser humano.
Ao longo deste trabalho evidenciamos a religião como um fator antropológico, pode-se considerar tal ideia como positiva, visto que, para se conhecer um povo e a sua cultura, faz-se necessário conhecer a sua religiosidade. Nesta perspectiva, a religião é uma forma de explicação da realidade material e espiritual do ser humano, quanto mais o ser humano se aprofunda na religião, mais ele irá compreender a essência do homem.
A maioria das culturas vê Deus como um ser vingador, que cobra dos seus súditos com dureza e rigidez. Por isso, o homem procura diante da religião encontrar tudo aquilo que ele não encontra em sua essência, ou não consegue explicar.
Vimos também que o homem diante das suas angústias e limitação, começa a buscar em Deus respostas para todas as suas calamidades, depositando em Deus toda a responsabilidade, tanto pelo seu sucesso, quanto pelo seu fracasso. Na maioria das vezes, o homem de hoje não se dá conta que ele é responsável pelos seus fracassos e também pelo sucesso.
Feuerbach nunca pretendera acabar com a religião, muito pelo contrário, tentou despertar o ser humano para a sua realidade existencial, enfatizando a responsabilidade que temos com a vida, com o mundo e com o próximo. O ideal é que nos devemos preocupar em construirmos a nossa história, contribuindo para o progresso da humanidade, sem nos preocuparmos com o além.
Ao buscarmos o contexto histórico do século XIX, veremos que o mundo estava se libertando do teocentrismo medieval, em que tudo era atribuído a Deus ou ao Diabo, o homem ficava nesta história, apenas como um fantoche.
Contudo quando se reflete sobre os atributos que o homem concede a Deus são os seus próprios sentimentos objetivados para fora dele, podemos entender que não somos seres completamente controlados por Deus, mas temos uma mente com raciocínio e liberdade para escolhermos o que for melhor.
Feuerbach tentou devolver ao homem a sua liberdade subjetiva para que se pudesse reconhecer a grandeza do ser humano, valorizando-o por completo. Assim sendo, Fazendo uma análise da religiosidade nos dias atuais, podemos ver que o homem ainda continua nesta árdua busca pelo transcendente, nunca houve na história uma procura por religião, como nos dias hodiernos.
Apesar do grande número de pessoas sem religião, o ateísmo é algo quase fora de moda, mas sabemos que o homem de hoje busca uma religião subjetiva, que corresponda aos seus interesses individuais: problemas de saúde, financeiro, emocional e familiar, o homem ainda não se tornou capaz de resolver os seus problemas, por isso, apela ao absoluto. Tais objetivos são um pouco diferente da época de Feuerbach, em que se buscava Deus por medo do inferno.
Atualmente no Brasil, há grande crescimento dos movimentos neopentecostais, onde existem grandes promessas de bem estar pessoal, é chamada teologia da prosperidade. O homem nunca aceitou a sua condição existencial, onde é impossível viver sem sofrimentos e angústias. Sabemos também que o descaso social em que se encontra o nosso povo, contribui para o crescimento dos movimentos religiosos.
Portanto, pode-se dizer que ainda na atualidade, as pessoas depositam toda a possibilidade de bem estar apenas em Deus, esquecendo que o ser humano também deve ser responsável pela sua felicidade, que começa a partir do sujeito, Deus apenas nos concede a força necessária para enfrentarmos os obstáculos.
Mediante este trabalho, o qual fora uma dura crítica a religião, concluímos que a solução dos problemas da humanidade não consiste na extinção da religião, mas se faz necessário uma consciência crítica da realidade do mundo. Será que ainda não descobrimos que Deus não resolve todos os problemas com soluções miraculosas? Ao contrário, desde o início da criação Deus confiou ao homem a missão de construir e multiplicar. Sabemos que são muitos os problemas que a nossa sociedade enfrenta; éticos, econômicos sociais e religiosos. Daí a importância de encontrarmos meios para a solução de tais problemas, por isso, temos as ciências que muito contribuem para tal fim: a Sociologia, Antropologia, Psicologia, Teologia, Filosofia e etc. Estas ciências apontam os problemas e ao mesmo tempo apresentam uma possível solução. Podemos reconhecer que todos estes conhecimentos, os quais estão à disposição do homem contemporâneo é uma graça concedida pelo nosso Deus criador de tudo.
Por fim, sabemos que é impossível pensar uma sociedade sem religião, visto que a religião é também um fator antropológico. Podemos citar como exemplo, os países de regime comunista, que tentaram criar uma sociedade sem religião, atribuindo a ela os motivos das desgraças da humanidade, tais ideias apenas desencadearam um desequilíbrio econômico e social não resolvendo os problemas existentes.
Em suma, a religião nunca deve conduzir o homem á uma alienação de sua realidade, mas deve proporciona-lhe senso crítico da realidade e com tal auxílio encontrar caminho para os seus efetivos problemas. Que Deus seja sempre a fonte de inspiração dos nossos projetos e que a solução seja sempre executada pelo homem.
Acreditamos que no término deste trabalho acadêmico, conseguimos atingir o nosso objetivo principal, que foi demonstrar que a religião, às vezes, conduz o ser humano para uma profunda alienação da sua realidade existencial, além de proporcionar aos leitores desta obra, uma visão crítica da religião interpretada de forma errada. Nunca a religião deve nos conduzir para uma descrença terrena, ao contrário, deve proporcionar um compromisso com a transformação da realidade em que vivemos.
Consideramos este trabalho de pesquisa monográfica de suma importância, para o crescimento intelectual dos estudantes que concluem o Bacharelado em filosofia, visto que este proporciona aos mesmos uma visão salutar da vida e de toda a história da filosofia. Também nos exigiu grande esforço de pesquisa para o nosso crescimento intelectual, abrindo os horizontes que outrora foram tão obscuros. 
                                                                      











REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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