Considerações iniciais
- Em meados do século XIX, vários filósofos protestantes tinham como tentativa principal, explicar o fundamento da religião. A partir de então, o fenômeno religioso passou a ser objeto de estudo de varias ciências, dentre elas a filosofia. É neste contexto, que surge a ideia de Deus como fenômeno criado pela condição humana, defendido por vários pensadores ateus seguidores do Marxismo.
O
ateísmo contemporâneo teve como princípio o Idealismo Alemão, ao se contrapor a
ele. O grande protagonista desta mudança de pensamento foi Lwduing Feuerbach,
considerado o pai do materialismo contemporâneo. Ele que não considerava a
religião como revelação divina, ao contrário, afirmara que todo fenômeno
religioso está voltado para uma questão antropológica. Feuerbach defende, com
sua crítica, a libertação do homem desta alienação de que sofre ao
relacionar-se com Deus.
A
elaboração deste presente trabalho está composta por três capítulos. No
primeiro capítulo, iremos evidenciar o conceito de religião em Hegel, para
obtermos melhor compreensão do pensamento de Feuerbach. Hegel afirmara que o
homem se encontra com Deus a partir do pensamento, despertando a consciência
que ele tem sobre Deus, por via do intelecto.
Em
seguida, a crítica que Feuerbach fizera a Hegel, em especial sobre o conceito
que ele tinha sobre Deus. Feuerbach vê no ideal de Hegel apenas uma forma de
alienação do ser humano. A natureza humana é composta pela racionalidade, o que
nos diferencia dos animais; por isso, Feuerbach percebe no homem a condição
racional, definindo a essência do homem: razão, vontade e coração. Por fim,
veremos a crítica que Feuerbach fez ao cristianismo, a essência de Deus é algo
meramente humano, o homem, objetiva a sua essência para fora dele. Para Feuerbach,
o sacrifício de Cristo significa o sacrifício e o compromisso com os outros. No segundo capítulo, demonstraremos
que a verdadeira religião segundo Feuerbach é a antropologia, pelo fato de
todas as qualidades que o homem tem ele atribui a Deus. Sendo que eles
pertencem ao próprio homem. Deus deixa de ser o centro de estudo, e o homem
passa a ser o objeto e fim último do próprio homem.
A
religião para Feuerbach é apenas uma alienação do ser humano, sua crítica à
religião é, justamente, porque o homem não dá atenção à vida terrena, vivendo
apenas em prol de outra vida. Por fim, apresentaremos a relação comunitária,
como meio que o homem tem para superar as dificuldades e perpetuar a espécie. Isolado o homem é
limitado, mas juntos poderão construir relação social e uma sociedade plena,
sendo o homem o centro de tudo. É idealizada uma nova ética, a ética do
altruísmo.
No
terceiro capítulo, faremos paralelo entre o ateísmo antropológico de Feuerbach
e o ateísmo psicanalítico de Freud. Para Freud, a manifestação da religião, tem
origem na infância, sendo um ideal fantástico, devido ao complexo de Édipo. O
homem tem o desejo de um pai super protetor, por isso, ele cria um Deus que
tudo pode para suprir a carência do pai fazendo da religião apenas uma
projeção.
Por
fim queremos evidenciar que o objetivo deste trabalho é proporcionar reflexão
acerca da religião e em especial nos despertar sobre a alienação religiosa que
em nossos tempos é muito freqüente em nosso meio, conduzindo o ser humano para
o comodismo, esperando a solução dos seus problemas apenas em Deus, esquecendo
que somos responsáveis por esta vida a qual Deus nos concedeu.
Vida
e obras
Lwduig Andréas Feuerbach
nasceu em Lardshut, sul da Alemanha, na Baviera, aos 28 de julho de 1804. Seu
pai, Anselmo Feuerbach, foi célebre jurista de influência kantiana, iniciador
do direito universal comparado. Embora tenha sido batizado na fé católica,
Feuerbach foi educado no protestantismo, sendo aluno devotado e exemplar. Dedicou-se
muito aos estudos do idioma grego, hebraico e da sagrada escritura, pois
almejava ser pastor protestante. Feuerbach viveu toda a sua infância em Monique
de 1806 a 1814, e realizou seus primeiros estudos em Bamberg (1814 -
1817) e em Ansbach (1817 - 1822) concluindo seu bacharelado neste mesmo ano.
No
ano de 1823, Feuerbach começou a se dedicar ao estudo da Teologia em
Heidelderga, não apenas para secundar os desejos, mas também, por impulso
próprio, com o intuito de se tornar Pastor protestante. Em seguida passou a
estudar Filosofia. E em 1824, dirigiu-se a Berlim, para acompanhar os cursos de
Hegel, a quem considerava o seu segundo pai.
Feuerbach
obteve a livre-docência na Universidade de Erlangen, através da dissertação De
Ratione Uma, Universale, Infinita, que tratava do pensamento fundamental da
Filosofia hegiliana. Foi a partir daí, que começou a proferir conferências
vivenciando o Idealismo hegeliano.
A
carreira docente de Feuerbach durou apenas quatro anos, pois, já em 1830, havia
primado por decisão radical, que foi apartar-se justamente daquilo que acabara
de julgar como conservadorismo em Hegel. Além disso, o que também contribuiu
para o abandono do magistério, foi seu caráter independente, sua dificuldade
com a exposição oral e a hostilidade despertada por suas ideias extremistas. Em
1837, casou-se com Berta Low e transferiu-se definitivamente para Bruckberg,
onde sua esposa era co-proprietária de uma fábrica de porcelana, e foi nesse
período que ele escreveu quase toda a sua obra.
Efetivamente
os negócios da fábrica de porcelana não iam bem. Em 1860, Feuerbach teve de
abandonar Bruckberg, onde havia residido durante mais de vinte anos, devido ao
insucesso econômico da fábrica. Foi graças à ajuda financeira de seus amigos
que ele conseguiu transferir-se para Rechemberg em 1860, onde residiu até o fim
de sua vida. Feuerbach morreu aos 13 de setembro de 1872, com 62 anos.
Foi
abundante e significativa a produção de Feuerbach em obras e escritos. Dentre
elas as principais são: Pensamento Sobre a Morte e a Imortalidade (1830),
História da Filosofia Moderna a partir de Bacon até Espinosa (1830), Exposição
e crítica da Filosofia de Leibniz
(1837), Filosofia e Cristianismo (1839), A Essência do Cristianismo (1841),
Crítica da filosofia de Hegel (1842), Princípios da Filosofia do devir (1843),
A Essência da Religião (1845), Lições Sobre a Filosofia da Religião (1848), e
Teogonia (1857).
Lwduig
Feuerbach representa a figura principal da esquerda hegeliana, pois é o
iniciador do chamado humanismo naturalista e ateu, que abriu o caminho para o
materialismo dialético de Karl Marx.
FEUERBACH:
SUA CRÍTICA A RELIGIÃO E SEU ATEÍSMO
1.1. O conceito de religião
em Hegel.
Ao longo da história, o homem sempre almejou descobrir os
mistérios em que ele está envolvido: a origem da vida, a morte, a eternidade, o
sofrimento etc. Todas estas especulações contribuíram para o desenvolvimento do
pensar filosófico de todos os tempos, principalmente a contemporaneidade. Tais
ideias tentaram conduzir o homem para melhor compreensão do mundo e toda a
realidade cósmica.
Muitos
foram os que buscaram explicações acerca da existência de um ser superior,
“Deus”. No século XIX, a Alemanha viveu no auge de sua filosofia onde foram
desenvolvidas várias linhas filosóficas inclusive o ateísmo, levantando
questões sobre a existência de Deus.
Queremos ressaltar que de
início iremos estudar o conceito de religião em Hegel, o qual fora filósofo
Alemão que vivera no século XIX, sendo ele o principal representante do
pensamento idealista Alemão. Os filósofos conhecedores do pensamento hegiliano
foram tão influenciados por tal pensamento, que se desencadearam em dois
movimentos pós-hegilianos, à direita e a esquerda da qual foi Feuerbach o seu
principal protagonista.
Ao
estudar Hegel iremos entender melhor o ateísmo materialista de Feuerbach.
Segundo Hegel, a religião se situa no nível do pensamento e não apenas do
sentimento, compreendendo-se com isso que não se pode reduzir o “divino” apenas
ao sentimento. Deus é uma verdade a qual só se pode conceber a partir do
pensamento.
A
religião enquanto fé, sentimento e intuição ingênuos consistem, em geral, no
saber e na consciência imediatos. Em outra parte, verifica-se o abandono da
imediaticidade do espírito, o ponto de vista da reflexão, a relação da religião
e do conhecimento como sendo algo externo, um em frente ao outro. A filosofia
da religião consiste, ao contrário, no conhecimento pensante, compreensivo da
religião; nela identifica o conteúdo absoluto, a substância e a forma absoluta
(HEGEL Apud URBANO, 1991, P.68).
Podemos perceber que segundo Hegel, a religião é um
momento interior, uma relação com Deus através da “consciência” humana como
instrumento da consciência divina “uma humanização da essência” a religião se
apresenta como a “ideia do espírito”, desta forma subtende-se que todos os
homens têm consciência de Deus.
Para
Hegel, não existe imediaticidade absoluta da consciência sobre Deus, visto que
em nossa “consciência” existe uma relação sujeito-objeto, entendendo-se Deus
como princípio filosófico do conhecimento humano. “A religião é para todos os
homens; a religião não é filosofia, a qual não é para todos os homens. A
religião é um modo como todos os homens se fazem conscientes da verdade (...) a
representação e também o pensamento intelectual”. (HEGEL Apud URBANO, 199,
p.70).
Hegel
mostra a insuficiência do sentimento a respeito de Deus levando-nos a perceber
dois itens fundamentais: o sentimento e a representação de Deus. O primeiro
parece ser subjetivo, o segundo se refere ao aspecto objetivo do conteúdo. Todavia
para Hegel, o mais importante é a indagação, podendo dizer algo partindo do
sentimento, porém não encontramos o “ser” de Deus no sentimento, tendo em vista
que, para Hegel, nem tudo que está no sentimento subjetivo é verdadeiro; porém
a religião não deve ser sentida, mas, deve estar presente no pensamento, ideia
inata, do contrário, não é religião.
Entretanto, o sentimento nunca deve
ser o critério decisivo para a verdade do saber sobre Deus, pois o sentimento
não contém razões e não fala por razões, daí a necessidade de transcender os
sentimentos. “Trata não do sentimento como sentimento, mas do conteúdo em
volto, nessa forma para ver se um sentimento é de natureza verdadeira e
autêntica”. (HEGEL Apud URBANO, 1991, p.71).
A
representação de Deus está vinculada aos sentimentos, por isso temos uma imagem
de Deus, visto que, através do pensamento a representação não abrange
totalmente a verdade, mas transcende para o pensamento libertando-se do sensível,
por isso, para Hegel, Deus só é verdadeiro para o pensamento. Contudo, as
formas do sentimento e da representação se dirigem à esfera do pensamento na
qual a consciência religiosa chegará a um senso comum.
“O
ser humano religioso é, portanto, esta relação de si a si mesmo, como liberdade
subjetiva, em meio da absoluta necessidade. Assim, a transcendência e imanência
se identificam no ser humano, e a religião como relação do homem com Deus é a
relação consigo mesmo”. (HEGEL Apud DELMAR, 1995, p. 99).
Percebemos
então a relação do homem com Deus numa transcendência que é imanente e reflete
a condição espiritual do homem em sua realidade corpórea, assim, Deus deixa ser
experimentado pela razão através do homem.
Hegel
procura construir um ideal de religião intelectualizada, uma consciência que o
homem desperta por meio da razão, daí afirma Delmar: “a essência da religião
está na autoconsciência, ter a forma de fé. Tendo como verdade possuída, mas não
entendida, coloca sempre outra consciência frente à consciência humana”
(DELMAR, 1999, p. 105).
A
essência do homem como espírito é um espelho de Deus, segundo Hegel. Pensar é
elevar-se do particular ao geral o espírito transcende o casual e penetra no
eterno “Deus” ou ideia divina. Contudo no saber sobre Deus, o temos como objeto
podendo aprofundar-se no conhecimento. Nesta relação o homem descobre que ele é
uma unidade com Deus, descobrindo-se a si mesmo como “divino” e neste encontro
o homem se experiência como parte do divino.
“O
homem se eleva a Deus só enquanto Deus se conhece a si mesmo nos homens, este
saber é a autoconsciência de Deus, mas também o saber que Deus tem dos homens e
tal saber é o saber que os homens tem de Deus”. (HEGEL apud URBANO, 1999,
p.76).
Através
do pensamento o homem passa por uma preparação para o culto e a fé, “uma
elevação mística” um sentimento de unidade divino-humano. Hegel afirma que a
filosofia se justifica pela devoção e pelo culto, pois a elevação religiosa
pertence à experiência do filosofar. Observamos então uma junção do homem com
Deus a partir do pensamento e da consciência, motivo pelo qual mais tarde Feuerbach irá reduzir tudo isto em antropologia.
A
dialética religiosa de Hegel destaca-se em três momentos: “religião natural,
religião estética, e religião desenvolvida ou revelada”. (HEGEL apud GIUSEPPE,
1989, P.89). A religião natural corresponde à consciência que se confronta com
o mundo exterior como se fosse um ser estranho, neste estágio o homem busca as
imagens representativas do espírito na própria natureza: na luz, nos astros e
também nas plantas e nos animais.
A
interioridade desta forma de religião, da qual Hegel defende, está no objeto de
culto que conduz intrinsecamente às marcas da atividade do homem na qual o
espírito está muito relacionado com a natureza. O homem busca neste estágio como
fonte de inspiração a própria natureza.
A
religião estética corresponde à fase em que o homem abandona as representações
naturais e cria a “arte absoluta” ao qual se destaca a arte grega, que expressa
a arte abstrata, tendo como objetivo superar as representações naturais dos
deuses.
Os
velhos deuses nos quais se particulariza a essência luminosa acoplada com as
trevas: o céu, a terra, o oceano, o sol, o fogo etc. agora são substituídas por
figuras que (...) não mais são seres naturais, mas manifestos espíritos éticos
dos povos “autoconscientes” (HEGEL apud GIUSEPPE, 1989, p.89).
Partindo destes citados pressupostos, acreditamos que
quando a religião grega expressa beleza
e esplendor, leva Hegel a acreditar numa manifestação do divino em meio ao
mundo e de sua vida humana, é Deus que se faz humano através do sensível.
Por
conseguinte, a natureza não é o seu reflexo sem valor, mas o meio da sua
esplêndida manifestação numa multiplicidade de figuras de divindades masculinas
e femininas que são imagens ideais do homem, da sua naturalidade e da sua
capacidade levando-nos a entender tais imagens algo que constituem potências do
universo natural e espiritual. Nessas expressões do divino no humano, o homem
expressa sensivelmente as suas paixões, necessidades e inclinações, externando
suas esperanças e medos, ainda que seja nas imagens dos seus respectivos
deuses.
O
último item é a religião revelada, o cristianismo. Hegel encontra na afirmação
cristã da encarnação de Deus o símbolo da identidade do infinito com o finito:
por isso, ele considera o cristianismo como a religião absoluta, a verdade do
espírito. “A substância aliena-se de si mesmo e torna-se autoconsciência, por
isso, nesta religião, a essência divina é revelada”. (HEGEL apud GIUSEPPE,
1989, p.92).
Hegel
admite que o finito se resulte no infinito, portanto, a morte de cristo é, o
desaparecer da realidade sensível e singular do Deus-homem. Isto significa que
Deus não pode transcender a consciência humana, mas nela reencontra-se como em
sua própria essência, ademais, Hegel dissera que a verdadeira filosofia conduz
o homem a Deus.
Em
Hegel, Deus se encontra a partir do sentir e do pensar, o homem desperta a
consciência de Deus através do pensamento, em suma Deus para Hegel é um ser
puramente racional, visto que, sendo Deus uma essência racional todos os homens
estarão aptos a conhecer esse Deus o qual será despertado a partir do
sentimento e pensamento.
Deus
é uma expressão dos sentimentos e nesta relação sujeito-objeto o homem não
apenas terá uma relação com Deus, mas, passa a fazer parte do divino.
1.2.
A crítica de Feuerbach a Hegel.
São
vários os motivos os quais conduziram Feuerbach a criticar o pensamento
hegeliano, um deles é o fato de partir de um conceito abstrato sobre a
existência de Deus. Diante de tal ideia afirma Feuerbach: “Hegel parte do
conceito do ser abstrato; porque não posso partir do próprio ser, ou seja, do
ser real? Ou porque não da razão, dado que o ser me remete direito à razão?” (FEUERBACH
apud SOFIA, 1999, p.70).
A persistência com que Feuerbach afirma a
identidade do ser e do sensível, da realidade e da existência, do espaço
temporal e do saber empírico, é acima de tudo mera tentativa de transcender o
pensamento de Hegel. “A sensibilidade
não tem nada a ver com a sensação do materialismo e de qualquer forma de
realismo pré-idealista: a sensibilidade é a unidade verdadeira existente entre
o material e o espiritual”. (FEUERBACH apud SEVERINO, 1986, p.52).
Segundo
Feuerbach, o espírito é o sentido universal, a verdade dos sentidos não é uma
verdade teorética, mas o fundamento perene da filosofia. Compreendemos a
autenticidade de tal expressão do filósofo, pois ela tece uma relação que
subsiste a Hegel, isto é, entre a ideia, as categorias e a experiência.
Feuerbach,
não aceita a imutabilidade e a infinitude da Ideia a qual é inerente ao ser
humano, mantendo sempre no que diz a ele próprio a função de Deus. Por isso, quando Hegel afirma que a essência
absoluta se desenvolve a si própria, torna-se verdadeira a partir do momento em
que seja invertida. Tal afirmação pretende sustentar, segundo Feuerbach, um
movimento puramente lógico exterior ao tempo. Partindo destes pressupostos,
podemos afirmar que somente uma essência como a do homem é uma essência
absoluta e real. Somente o homem é capaz de fazer uma experiência com o real.
Feuerbach
encontra no protestantismo uma passagem prévia para a antropologia
materialista, uma antropologia religiosa que humaniza Deus. “O protestantismo
já não se preocupa com o que é Deus em si mesmo, mas unicamente com o que ele é
para o homem, e, por isso, já não tem uma tendência especulativa ou
contemplativa é apenas cristológica, ou seja, antropologia religiosa”.
(FEUERBACH, 1988, p.60).
Portanto
percebemos que, segundo Feuerbach, a filosofia especulativa hegeliana é um
apoio da teologia, visto que Hegel racionalizou e atualizou Deus a partir das
determinações do pensar construindo um cogito alienado, ou seja, de um
lado a existência empírica e do outro sua essência, a qual subsiste uma ilusão
de um objeto transcendental.
“Deus
é em si mesmo um som sem sentido, uma simples palavra, só predicado Deus é sua
realização do próprio homem e sua significação”. (FEUERBACH apud SOFIA, 1999,
p.70). Hegel deu á filosofia um sentido de religião plasmada em
pensamento de forma discursiva de maneira que sua filosofia se converteu numa
nova modalidade de alienação do ser humano.
“Embora em Hegel Deus deva ser a essência do
homem, Deus nunca se identifica com indivíduos históricos reais, mas, os
transcende”. (FEUERBACH apud EMANUELE 1986, p.52). Feuerbach inverte o
sentimento da teologia em antropologia, os predicados divinos passaram a ser
predicados sumamente humanos.
Para
entendemos o idealismo como algo que não parte da realidade, antes abstrai dos
objetos reais percebidos pelos sentidos, o que para Feuerbach, não se opõe à
abstração em geral, mas sim ao abuso idealista da abstração. Hegel encontra
Deus no infinito com um intercâmbio com o finito “o homem” e, através desta
junção se atinge o absoluto.
Feuerbach,
ao contrário, reduz toda a teologia à antropologia, transcendência inteligível
de Hegel para um mero sentimento da razão humana transferindo para o ser humano
todas as qualidades divinas, daí percebe a dicotomia que houve entre Hegel e
Feuerbach no que diz respeito à religião. Deus não é mais visto como um ser
racional, mas, passa a ser a própria razão sentimental do homem que busca
incessantemente a sua realização.
1.3. A essência do homem
Iremos
explicar a essência da natureza do homem numa concepção filosófica a partir de
Feuerbach, visto que a diferença entre o homem e o animal está justamente nesta
capacidade racional, o que nos difere dos animais.
“Por
isso, tem o animal apenas uma vida simples, mas o homem uma dupla: no animal é
a vida interior que identifica a exterior, o homem possui uma vida interior e
uma exterior. O homem pensa, ele conversa fala consigo mesmo”.(FEUERBACH apud
EMANUELE, 1986, p.54).
Portanto
entendemos que para Feurbach, o que distingue o homem dos animais é a sua
capacidade racional, é a interação social que temos, a qual nos faz superiores
aos animais, não apenas o homem enquanto sujeito, mas enquanto espécie e se
torna objeto de construção do seu próprio “devir”.
A
consciência infinita que cada indivíduo
deve ter de si faz parte da essência do homem, este homem consciente de sua
humanidade; e deve ser por via da religião que se deve despertar tal
consciência.
“Mas
a religião é a consciência do infinito; assim não é e nem pode ser nada mais
que a consciência que o homem tem da sua essência não finita, não limitada, mas
infinita”. (FEURBACH, 1988, p. 69). O homem é visto como um ser tão consciente
que ele é capaz de descobrir dentro do seu próprio ser a dimensão
transcendental da espécie, o potencial humano que designa seus sentimentos.
“Os
sentimentos humanos tem uma importância ontológica. São nos sentimentos humanos
mais comuns que estão ocultas as verdades mais profundas”. (FEUERBACH apud
MANOEL, 1991, p. 60). Por conseguinte Feuerbach demonstra toda confiança
antropológica na essência sentimental do homem. “A essência do homem da qual
ele é consciente, a própria humanidade do homem; a razão, vontade, e o
coração”. (FEUERBACH, 1988, p. 44).
Segundo
Feuerbach, essas três faculdades citadas compõe a essência do ser humano,
poderíamos defini-las como dons inatos os quais estão presentes no interior da
espécie como, a razão, a qual, representa o raciocínio e a capacidade pensante
do homem. “Um homem completo possui a força do pensamento, a força da vontade,
e a força do coração”. (FEUERBACH, 1988, p.45).
O
intelecto é entendido como uma luz que ilumina o homem para desenvolver suas
capacidades, sociais e religiosas, as quais não pertencem a um sujeito, mas ao
coletivo, ou seja, a humanidade. As faculdades do homem são tão importantes em
Feurbach, que ele confia na sua capacidade intelectiva que está acima do homem
individual e que constitui: “razão, amor e vontade”.
Quando
se refere ao universal entendemos como algo que pertence a toda humanidade, uma
forma de poder do inconsciente coletivo do homem absoluto e divinizado, o qual
não pode resistir a estas qualidades.
As
capacidades do homem; a autoconsciência, a razão, e a imaginação são novas
qualidades obtidas por via da sua essência “razão, vontade e coração” que assim
direciona o homem a ir além da capacidade instrumental, que é meramente animal.
E extrai uma visão intelectual e criativa da realidade e do mundo material e
espiritual com coesão interna e externa, integrando o homem ao meio social, sem
estas capacidades não saberíamos construir uma vida a partir do “Antropus”.
Feuerbach
é um dos filósofos da contemporaneidade que acreditou tanto no homem a tal
ponto de depositar nele toda confiança, divinizando-o assim, como espécie e
exaltando os sentimentos inclusive o amor fraterno que é um dos componentes da
essência do homem.
Como
poderia o homem sensível resistir ao amor, possui o homem o amor, ou antes, não
é o amor que possui o homem? Verdadeiro,
perfeito divino é o que existe em função de si mesmo assim é o amor o poder do
pensamento, aquele poder tranquilo e sereno. (FEUERBACH apud MANOEL, 1991,
p.185).
Podemos
averiguar que o autor expressa um narcisismo humanista, acredita no amor entre
os homens, uma força que o diviniza sem a necessidade de um ser “absoluto”, tal
amor, nos dá a impressão de um apelo à autoestima dos homens que precisa ser
valorizada, visto que, tais qualidades do homem, “razão, vontade e coração”,
levam a pessoa a viver em harmonia consigo mesma e com seus semelhantes; ideal
este de que Feuerbach foi um grande defensor.
“A
essência do homem está contida somente na comunhão fraterna, na unidade do
homem com o homem e é tal unidade que se baseia na realidade da diferença entre
o eu e tu”. (FEUERBACH apud SOFIA, 1999, p.79). Portanto percebemos que para
Feuerbach, o homem é esse ser que faz tal experiência a partir do objeto em si,
ou seja, o válido é o sensível sendo a realidade material, “o homem”, uma
prioridade salutar.
O
poder do objeto sobre o homem é o poder da sua própria essência, se entendendo
o homem como objeto de si mesmo. Além de tudo isso, o homem, por via do seu
potencial racional consegue desenvolver as suas qualidades, o que é denominada
“perfeição divina”. É despertada uma eticidade do sujeito o qual está
dependente do seu comportamento para um bem estar de todos os homens.
Então
percebemos no homem Feuerbachiano não apenas um ser perfeito enquanto espécie,
mas um ente que se valoriza esteticamente, exaltando a beleza e a grandeza do
homem; tudo que é humano é aprovado. “A bela imagem é contente de si mesma...
vaidade é apenas quando o homem namora a sua forma individual, mas não quando
ele admira a forma humana... não pode conceber nenhuma forma mais bela, mais
sublime do que a do homem”. (FEUERBACH apud SOFIA, 1999, p.84).
Aqui é expressa a exaltação e a glorificação
do homem enquanto ser meramente humano, porém este mesmo ser é considerado
divino e perfeito enquanto espécie, sendo apenas os homens capazes de contemplar
a beleza do ser, um homem que volta as origens gregas e tem a beleza como uma
dádiva divina, e esta beleza também
compõe a essência deste novo homem.
“Só
o homem possui alegrias e sentimentos puros, intelectuais. Só o homem promove
os espetáculos teoréticos dos olhos. O olho contempla o céu... este olho vê na
luz a sua própria essência”. (FEUERBACH, 1988, p.47). Entendemos o homem a
partir de uma visão materialista, um ser que almeja as suas paixões e valoriza
o belo, fazendo-o cada vez mais entusiasmado consigo mesmo, o que irá
conduzi-lo a uma integração harmoniosa homem-natureza e que está ligado ao
cosmo.
A
partir destas perspectivas apresentadas, o homem precisa buscar a sua própria
essência e seus próprios valores, priorizando a matéria, o “aquém”. È através
da inteligência e dos olhos, em especial, que o homem contempla e constrói o
seu próprio destino. Por conseguinte, o fim último do homem é o próprio homem.
A
consciência humana passa a ser então a consciência do infinito. Surge,
portanto, um panteísmo idealista que é transformado em materialismo ateu. A
consciência do homem se torna algo consciente e este passa ter confiança em sua
humanidade e os atributos racionais do homem se tornam cada vez mais fonte de
inspiração para a sua jornada existencial.
A
única base para a sua filosofia é a realidade sensível, por isso, a nova
filosofia deverá ter como paradigma o próprio homem em sua totalidade: razão,
vontade e coração. Este é novo homem contemporâneo que tem o seu advento no
humanismo Feuerbachiano, um ser que busca dentro de si próprio a transcendência
unindo o finito “o homem” ao infinito em uma substância sentimental e
totalmente humana.
1.4.
A crítica de Feuerbach ao cristianismo
Um
dos maiores críticos da religião em nossos tempos sem sombra de dúvidas foi
Feuerbach, o qual investiu pesado contra a religião, em especial, o
cristianismo. No entanto, nunca pretendera destruir a religião, mas, ao
contrário, queria despertar no homem a consciência de seus atributos os quais
são divinos e está no próprio homem.
Se
o homem religioso fosse diretamente consciente de si, que a sua consciência de
Deus é a consciência que tem da sua própria essência, porque a falta da
consciência deste fato e exatamente o que funda a essência peculiar da
religião, para sanar este mal entendido é melhor dizer; a religião é a
consciência primeira e indireta que o homem tem de si mesmo. (FEUERBACH, 1988,
p. 56).
O
homem tem um desejo inconsciente de encontrar Deus, consequentemente ele
desenvolve uma estrutura ético-moral que irá designar a sua conduta como ser
religioso e social almejando uma vida
virtuosa portadora de tais sentimentos
aplicados em uma práxis humana: amor, bondade, grandeza, eternidade. Como este
não tem consciência de que é capaz de tais faculdades, atribui a um ser
superior. A religião é tida como algo útil apenas para despertar no homem a sua
essência humana.
“O homem transporta
primeiramente a sua essência para fora de si antes de encontrá-la dentro de
si”. (FEUERBACH apud SOFIA, 1999, p.79). Feuerbach observou que a religião
poderá impedir o homem de descobrir o seu valor enquanto pessoa, inclusive da
noção de que é um ser inteligente e
responsável por si mesmo, mas, no entanto atribui seus dons a Deus.
Tal ideia
é o ápice da crítica de Feuerbach ao cristianismo, pois, se o homem é a
essência de Deus e Deus é a essência do homem, destarte, ele não precisa de um
ser superior, nem de um Deus que sofre na cruz pela humanidade, nem mesmo um
ser que ama o seu povo, seria aqui declarada implicitamente a “morte de Deus?”.
Feuerbach, não vê
nenhum sentido em aceitar um Deus que redime a humanidade através do
sofrimento, visto que sofrer é meramente humano.
...E
exatamente homens de impulso último de praticar o bem de viver e morrer para os
homens do impulso divino do benefício que pretende tornar a todos felizes e que
não exclui nem mesmo o mais repudiado, o mais “desprezível”. (FEUERBACH, 1988,
p.104).
Sofrer pelos outros passa a ser virtude ou
impulso da espécie humana que se solidariza com o próximo, não a partir do
exemplo de Cristo, mas do próprio sentimento que o homem traz em si, um
sentimento de solidariedade e compaixão para com o seu semelhante. Aqui é
descartado o amor como uma inspiração de Deus em relação ao homem na realidade
terrena, não se preocupando com o bem do homem numa outra vida possível.
Para Feuerbach,
Cristo significa o sacrifício e o compromisso com os outros e com a realidade,
o fato de dar a vida por uma causa, ou se sacrificar por um objetivo é fator
antropológico atribuído ao homem, e não fator religioso atribuído a Deus. O
transcendente em Feuerbach se limita apenas nos sentimentos e nas atitudes
antropológicas.
“O
mundo da religião é essencialmente interessado. O homem é religioso, porque tem
fome e sede, porque experimenta necessidades, esperanças e medos. Pelo culto,
pela prece, pelo sacrifício e pelo rito, ele quer obter ajuda dos seus deuses”.
(FEUERBACH apud MANOEL, 1991, p.180).
A
religião é instrumento criado pelo homem para sanar as suas necessidades
existenciais, motivo pelo qual se considera o homem um ser interesseiro. Se o
homem não tivesse nenhum problema, jamais buscaria no absoluto seu consolo e
soluções de suas dores e frustrações.
Neste ideal ateísta é
deixado de lado à dependência que o homem criou em relação a Deus e é
instaurada uma supra estima da espécie humana, é como se quisesse construir
nova humanidade, um povo de autoestima elevada que supera todos os obstáculos,
um homem “humano demasiadamente humano”.
Percebemos
uma intuição, que é libertar o homem de todas as estruturas religiosas que faz
com que vivamos em prol de outra vida. Mas, ao contrário, esse novo homem é
convidado a enfrentar a vida e seus desafios, “viver com autenticidade”,
libertar o homem para nova visão de si próprio. Este novo homem, por
conseguinte, não deve satisfação para nenhuma entidade superior a ele, apenas
ao próprio ser.
Em a
Essência do Cristianismo afirma Feuerbach: “A crença na imortalidade é a
crença na divindade do homem e, vice-versa, a crença em Deus é a crença na
personalidade pura, livre de todas as limitações e exatamente por isso
imortal”. (FEUERBACH, 1988, p.214).
Deus
nestas perspectivas é o próprio homem libertado, ou consciente de sua realidade
alienante em que outrora se encontrava. A partir desta fase, a essência de Deus
passa a ser a autoconsciência do homem.
O
homem afirma em Deus o que nega em si, o ateísmo é então o caminho necessário
para o homem redescobrir a sua dignidade reconquistando a sua essência perdida,
de tal forma que a questão do ser ou não ser de Deus torna-se questão do “ser
ou não ser do homem”. Feuerbach concede ao homem o lugar do absoluto de Hegel,
converte-o em ser supremo, “a medida de todas as coisas” e de toda a realidade
que o envolve.
Tal
posição fundamenta toda a sua crítica do cristianismo e da teologia, percebendo
logo a ligação que Hegel fizera entre “consciência finita e consciência
infinita” entre Deus e homem. A partir
daí o espírito humano não é assumido no absoluto, mas o espírito absoluto passa
a ser reduzido ao espírito finito do próprio homem.
Deus
a partir deste pensamento não deixa de existir, destarte, passa a ser o próprio
homem que se idolatra, exaltando-o a tal ponto de se fazer vítima para defender
a sua espécie, Deus é descartado, mas o sentimento religioso continua, o homem
divinizando ao próprio homem.
A ESSÊNCIA DE DEUS É A ESSÊNCIA DO HOMEM
2.1. A verdadeira religião é a
antropologia
Uma das principais teses que
fundamenta a crítica de Feuerbach ao pensamento de Hegel foi A Essência do
Cristianismo, a qual reduz o mistério da teologia em antropologia, o homem
passa a ser o ponto de partida da nova filosofia; o começo da filosofia não é
mais Deus, nem o absoluto, mas, o finito.
A
lógica hegeliana é a teologia reconduzida a razão e ao presente, a teologia
feita lógica. Assim como o ser divino da teologia é a quintessência ideal ou
absoluta de todas as realidades, isto é, de todas as determinações de todas as
finalidades, assim também a lógica (...) a essência da teologia é a essência do
homem transcendente, projetada para fora do homem; a essência da lógica de
Hegel é o pensamento do homem posto fora do homem. (FEUERBACH apud URBANO,
1991, p.105).
Algo
determinado, o que Feuerbach irá afirmar que a nova filosofia faz do homem um
objeto único e universal. Deus deixa de ser o centro de estudo, e o homem volta
novamente ao antropocentrismo, é uma regressão aos valores do próprio ser do
homem tornando-o ser supremo. O primeiro objeto de estudo do homem é o próprio
homem, aqui é visto um ser social que constrói ambiente de relação com outros
homens. Feuerbach mostra um homem que deve redescobrir o seu valor, a sua
natureza, visto que não há sentido buscar meios de um encontro com o absoluto
fora dele. Ele cria uma teoria universal do homem, um ente que não está
sozinho, pois pertence a uma espécie perene que encontra o absoluto dentro de
si.
A
religião apresenta imediatamente a essência interior do homem como uma essência
divina objetiva. E a demonstração nada deseja além de provar que a religião tem
razão. O ser mais perfeito é o ser acima do qual não pode ser pensado nenhum
ser mais elevado, Deus é o que há de
mais elevado que o homem pensa e pode pensar. (FEUERBACH, 1988, p.119).
Portanto percebemos que, para
Feuerbach, é impossível existir um ser além do pensamento do homem, sendo que é
por meio da razão que pensamos Deus. Ele é um ser puramente racional, ou seja, o
próprio homem. Por isso, Feuerbach, não se preocupa com outro ser exterior ao
homem, mas procura construir uma ideologia humanista voltada para a própria
espécie.
O próprio Feuerbach considera a sua filosofia como algo
de superação do pensamento de Hegel. Valoriza o homem como ser sensível dotado
de sentidos e considera indissolúvel a relação do pensamento com a realidade
material, o homem é inseparável da natureza.
“A nova filosofia transforma a natureza como base deste;
no objeto único, universal e supremo da filosofia, fazendo assim da antropologia
uma ciência universal”. (MANOEL 1991, p.182). Feuerbach procura criar nova
ideologia a partir do pensamento de Hegel: de uma filosofia do espírito passa a
ser uma filosofia do homem concreto. Procura recuperar o mundo dos sentidos
desprezado por Hegel.
Nestes termos, o homem Feuerbachiano é um ser integrado
ao conjunto de todas as forças, coisas e seres sensíveis que o homem diferencia
de si como não humano, a natureza é tudo aquilo que se oferece ao homem
imediata e sensivelmente como fundamento e objeto da sua vida. Para Feuerbach
natureza é luz, magnetismo, ar, água, fogo, terra, animal, vegetal e homem...
Por natureza não entendo nada místico, nada nebuloso, nada teológico, a
natureza é corpórea e material. (FEUERBACH Apud MANOEL, 1991, p.184).
Este
é o novo homem materialista e dono de si, sendo capaz de construir um novo
caminho, é o homem liberto da tradicional teologia teocêntrica, o qual é
convidado a voltar a si próprio, se divinizar não apenas o homem como
individuo, mas todos os seres humanos. Ao invés de estudar uma teologia fora do
homem, Feuerbach volta aos seus sentimentos e vontades, é neste ser frágil e
finito que se encontra o ponto máximo de sua filosofia.
2.2. A religião como
alienação
Feuerbach vê na relação transcendental que tem o homem
com o absoluto é apenas a relação consigo mesmo, de tal maneira que as
qualidades que se atribui a Deus são qualidades humanas projetadas para fora do
homem. Tudo aquilo que está no desejo do homem, mas, ele não consegue concretizar
depositando na religião, o que para os crentes seria fé para Feuerbach é apenas
“projeção”.
Feuerbach critica a religião por não dar importância à
vida presente, transferindo toda a esperança de libertação para a vida futura,
“o céu”, por isso, o homem religioso não busca a libertação das injustiças,
sofrimentos e misérias deste mundo. Partindo destes princípios à religião nos
direciona a uma aceitação de todas as calamidades do mundo sem lutar contra
elas projetando a felicidade em outra vida.
Quando
a vida é uma verdade e a vida terrena é uma mentira, quando a fantasia é tudo,
a realidade não é nada. Quem crêr numa vida celestial eterna esta vida perde o
seu valor; a crença na vida celestial é exatamente a crença na nulidade e
imprestabilidade desta vida. (FEUERBACH, apud
Urbano, p.103, 1991).
Percebemos
então a situação do homem, que alienado de sua realidade existencial, se
esquece de almejar um caminho para a solução dos seus problemas, esperando
apenas numa possível solução divina. A vida na terra não tem sentido, o homem
não vive em prol de si, mas voltado para Deus.
Ao projetar o seu próprio ser em Deus, o homem cria uma
dicotomia tomando como divino algo que é humano; fazendo da sua existência,
algo que depende do sobrenatural, é o homem que se acomoda e não almeja uma
vida melhor aqui na terra. Karl Marx, que fora contemporâneo de Feuerbach, o
qual fez ferrenhas críticas acerca do seu pensamento, embora ambos tenham em
comum o ateísmo, como ponto de partida do pensamento filosófico, encontrando no
mesmo um caminho para solucionar os problemas da humanidade.
Orientando
o homem para Deus a religião encerra-o nesta relação individual, tira-o do
engajamento comunitário. Em definitivo ela substitui uma relação ilusória a um
conjunto de relações reais, priva o homem da sua essência comunitária e de um
ponto de vista moral canoniza o egoísmo. É este um aspecto fundamental da
alienação. Recusar a religião significa para Marx, recusar esta forma de
alienação em nome da vocação do amor. (JULIO, 1968, p.114).
Entendemos,
portanto, que tanto Marx quanto Feuerbach, veem a religião como uma ilusão,
impedindo o homem de viver a sua humanidade. Nestas perspectivas, o homem só
conseguirá viver bem quando se libertar de todos os fardos que lhe impedem de
viver o aquém, isto é, ser humano e desenvolver suas capacidades, construindo a
vida terrena, sem pensar no além.
Para
o homem alienado, Deus é tudo de bom e o homem ao contrário. “... Mas a
religião nega em seguida o bem como uma qualidade da essência humana: o homem é
perverso, incapaz do bem e corrompido, mas em compensação somente Deus é bom, o
bom ser”. (FEUERBACH, 1988, p. 69).
Vimos
então que o fato do homem se achar incapaz de obter tais qualidades, as quais
são divinas, porém, não se deu conta que está nele. Diante de tal situação, o
homem objetiva os seus anseios em um além que não existe. “O homem afirma em
Deus o que nega em si mesmo”. (FEUERBACH, 1988, p.70). Em Feuerbach, quando
homem exalta Deus nega a si próprio e sua grandeza universal.
O homem
religioso aliena-se assim, em proveito de uma ficção; empobrece a sua substância
humana; vai mais longe, encontra prazer no empobrecimento, na humilhação, na
sujeição e simultaneamente desvia da realidade da existência terrestre... Para
que Deus se enriqueça é necessário que o homem se torna mais pobre; para que
Deus seja tudo o homem tem de ser nada, objetiva a sua essência. FEURBACH apud
EMANUELE, 1986, p. (181).
Feuerbach critica a visão da simplicidade cristã, para
ele não é necessário que o homem se faça pequeno para encontrar Deus, sendo que
este já está nele. Porém, existe a necessidade da elevação da consciência do
homem de que ele é capaz de obter seus dons por meio dos sentimentos,
defendendo uma crença em si mesmo para concretizar os seus anseios. “O homem
por si só atinge a sua meta, ele atinge em Deus, Deus é ele próprio, esta é a
meta mais elevada da humanidade”. (FEUERBACH apud SILVANO, 2003, p.201).
Se o
homem é um ser independente, logo ele será apto a superar todos os seus
obstáculos, visto que, sendo Deus a própria essência do homem ele precisa tomar
consciência e se esquivar de qualquer manipulação, sendo a religião o foco
preferencial desta fuga.
Feuerbach
é humanista, defende o valor divino do homem, a partir de tais perspectivas
podemos afirmar que, toda visão religiosa leva o homem para uma alienação,
limitando-o aos fundamentos e dogmas religiosos, visto que, estes são tidos
como empecilhos para a auto realização.
2.3. A relação eu e o tu como
plenificação da espécie humana
Feuerbach apresenta uma antropologia que busca a unidade
entre os homens, tal unidade é “comunitária”, entre indivíduos e espécie, aqui
o homem individual se torna universal tendo em vista o amor como princípio do
pensamento do homem.
Em Feuerbach, o eu finito enquanto indivíduo experimenta
a si mesmo numa vivência existencial, totalmente distante dos padrões
tradicionais em que se vivia em sua época, “o teocentrismo”. Nestas
perspectivas surge uma junção do finito com o infinito, dando origem à
religião, visto que, esta só nasce quando o homem busca tudo que está em si
fora dele “projeção”.
O homem precisa valorizar a sua espécie, construindo
assim uma mística fraternal em que possa colocar em primeiro lugar a vida, é o
homem que si relaciona com os outros e, nesta relação ele poderá descobrir o
valor de si mesmo, e o valor de toda criação, de forma que este estar
interligado com a natureza é uma qualidade do homem universal.
Sem
o outro o universo não só seria para mim morto e vazio, mas também sem sentido
e sem razão. Somente através do outro se torna o homem claro para si e
consciente de si mesmo; mas somente quando eu me torno claro para mim mesmo
torna-se o universo liberado... A consciência é proporcionada ao eu através da
consciência do tu. Assim o homem é o Deus do homem. O fato de ele existir deve
a natureza, o fato dele ser homem deve-se ao homem. (FEUERBACH, 1988, p.126).
Constatamos,
portanto, a importância da relação fraterna a qual é tida como caminho para a
sociedade do futuro, Feuerbach acredita numa cultura integrada “homem e
natureza”, onde há uma interligação dos dois, e estes não podem existir
separadamente. Assim como o homem não pode viver sozinho, mas, em sociedade,
sendo por meio das relações humanas que se dá conta de sua humanidade e da
pluralidade que há entre os seres e uma mútua unidade, a qual é reconstruída a
partir do tu, ou seja, a vida em comunhão com os outros seres humanos.
A
nova filosofia além de ser considerada uma ciência universal converte o homem
em um objeto único da antropologia. Feuerbach passa a considerar o homem um ser
de relações e não apenas um homem individual, por isso, o ser do homem só se
encontra na comunidade, é criada nova ética, a ética do altruísmo.
Ética
que almeja o bem estar de todos os seres humanos, sendo por via desta harmonia
que a humanidade encontrará o caminho para o progresso. A ética Feuerbachiano
não deve ser algo que esteja elaborado, mas deve partir das relações dos seres
humanos. O homem torna-se responsável pelo seu próprio caminho, elevando-se ao
trono de Deus, sendo ele próprio consciente de sua grandiosidade humana e
intelectual. O altruísmo é a chave para a felicidade dos homens. Está
proclamada a divinização do homem. O homem se fez deus e conquistou o mundo. Na
unidade recíproca do homem com os seus semelhantes, deixa de existir o individual
e passa a prevalecer à coletividade. Juntos, os homens vão além dos seus
objetivos.
Isolado o
poder humano é limitado, unido é infinito. Limitado é o saber do indivíduo, mas
ilimitada é a razão, ilimitada é a ciência, porque ela é um ato conjunto da humanidade
e na verdade não só por colaborarem muitos na construção da ciência, mas também
no sentido interno de que um gênio científico de uma época reúne em si ideias
dos gênios passados; espírito, sagacidade, fantasia, sentimento. Todas estas
chamadas faculdades da alma são forças da humanidade, não do homem individual,
somente quando o homem fala com o homem num ato comunitário surge à razão. (FEUERBACH,
1988, p.127).
Feuerbach é um dos filósofos que acredita na ciência como
meio de superação dos limites humanos, destarte, a ciência é vista como
possibilidade de um conhecimento coletivo, o qual contribua para o bem estar de
todos e para o progresso da sociedade.
Mas os
pagãos não só contemplam o homem em conexão com o universo; eles contemplam o
homem, aqui o individuo somente em conexão com outros homens, em união com uma
coletividade. Distinguiam rigorosamente pelo menos enquanto filósofos entre o
indivíduo e a espécie, entre o indivíduo enquanto parte do todo e a espécie
humana, e subordinavam o indivíduo ao todo. Os homens acabam, mas a humanidade
continua. (FERUERBACH, 1988, p.192).
Verificamos que, segundo Feuerbach não se pode pensar o
mundo apenas no presente, mas é preciso acreditar no mundo futuro, por isso, se
faz necessário à coletividade, a valorização de todos, os quais devem
preocupar-se com a comunidade, levando em consideração o futuro da humanidade.
Por conseguinte, o amor e a união fraterna são
considerados suporte para o bem estar do homem no limiar de sua história. “A
minha vida está ligada a uma época limitada, mas não a vida da humanidade”
(FEUERBACH, 1988, p.194). O futuro é visto a partir da perpetuação da espécie, aqui o homem não é eterno, porque
alcança a vida celestial, mas por pertencer ao gênero humano, preocupando-se
com o bem estar hoje para obter um futuro melhor. O homem Feuerbachiano não é
individualista, mas depende sempre do outro para a sua realização. “Falta aqui
à visão objetiva, a consciência de que o tu pertence à perfeição do eu, de que
só o homem completa o homem, de que só em conjunto podem os homens ser o que o
homem é e deve ser”. (FEURBACH, 1988, p.196).
As adversidades intelectuais que existem entre as pessoas
não são causas de contendas, mas são itens que contribuem para o progresso da
comunidade.
Os amigos se
completam; a amizade é uma fonte para a virtude e ainda mais; ela própria é
virtude, mas uma virtude comunitária. Somente entre virtuosos pode haver
amizade, como diziam os antigos. Mas não pode haver uma igualdade total deve
antes haver uma diferença, pois a amizade se baseia no instinto de
complementação. O amigo através do outro. A amizade purga as falhas de um
através do outro. Se eu mesmo não posso ser perfeito, pelo menos amo a virtude,
a perfeição nos outros. (FEUERBACH, 1988, p. 197/198).
O novo homem é aquele que mesmo não tendo
grandes virtudes deve valorizar as virtudes dos outros sendo que é por meio da
amizade e das boas ações que se constrói esta relação fraterna, não apenas
entre os seus membros. Nesta dialética fraternal é que se consuma o ideal do
homem que não pode perder a consciência da sua responsabilidade recíproca.
Mas o
homem não pode perder a consciência do gênero, porque a sua própria consciência
está essencialmente relacionada com a consciência do outro... O outro é o meu tu,
mesmo sendo recíproco é o meu outro eu, o homem objeto, o meu interior revelado
o olho que se vê a si mesmo. Somente no outro tenho a consciência da
humanidade; somente através dele eu experimento, sinto que sou homem; somente
no amor por ele torna-se claro que ele pertence a mim e eu a ele, que ambos não
podem existir um sem o outro, que somente a comunidade se faz humanidade.
Portanto a aprovação do outro vale para mim como sinal de convivência, de
universalidade, de verdade dos meus sentimentos. (FEUERBACH, 1988, p.198/199).
Feuerbach se compromete assiduamente com o novo homem, o
qual deve usar como paradigma os seus próprios valores pondo em destaque as
virtudes, é o homem usando o homem como espelho, e edificando uma corresponsabilidade
comunitária, visto que são nestas relações que os homens adquirem as suas
faculdades, por via, dos bons exemplos dos outros os quais fazem parte da
comunidade. Aqui é construído um ideal a partir de uma interligação de forças,
ideais, virtudes e práxis. È nesta conjuntura que o homem supera todas as suas
limitações. O homem não consegue ser virtuoso por si só, mas por meio da
comunidade universal da espécie humana. Prevalece, em Feuerbach, a ideia de que
o caminho viável que o homem deve seguir é o da consciência dos dotes e
capacidades as quais são atribuídas a Deus. Além da fraternidade que faz parte
do novo caminho a ser construído. Percebemos um socialismo ateu e utópico, o
qual almeja constituir um ideal de sociedade fraterna e materialista ao mesmo
tempo. Apesar do autor ser contemporâneo de um período histórico onde se
valorizava o individualismo, a razão, a ciência, entre outras valores humanos,
todavia, percebemos um forte ele de solidariedade, nesta perspectiva, o ser
humano se realizará tão somente pela vida em comunidade.
O ATEÍSMO PSICANALÍTICO DE FREUD: UM
PARALELO À PROJEÇÃO RELIGIOSA DE FEUERBACH.
3.1. A religião como uma neurose
infantil “projeção”.
Até o
presente momento desenvolvemos o trabalho acerca do homem e da religião, tendo
em vista o pensamento de Feuerbach. Neste terceiro capítulo iremos demonstrar
em síntese o ideal religioso de Sigmund Freud, no qual almejamos evidenciar
algumas compatibilidades que há entre os dois pensadores no que se refere à
religião.
Para
Freud, a religião é apenas uma fuga dos problemas recalcados no inconsciente,
no tempo da infância: “A neurose é a fuga ao mundo infantil. Aí os conflitos
que não foram resolvidos na infância celebram sua ressurreição”. Freud vê a
religião como regressão do adulto ao mundo ideal infantil. Nessa regressão o
pai exerce papel importante devido ao complexo de Édipo. Representa uma fase
decisiva entre os 4 -6 anos de idade. No seu relacionamento carinhoso com a
mãe, a criança sente o pai como rival. Divide o amor da mãe com o pai. Por
isso, formam-se desejos agressivos em relação ao pai. Tais desejos serão
exilados para o porão do subconsciente e a criança aprende o que si ensina em
seu meio cultural. (FREUD apud URBANO, 1999, p. 146).
Freud
deixa evidente que, a origem do desejo pela religião surgira na infância de
todos os seres humanos, e partindo do ideal citado tudo não passa de fantasia
criada nesta fase da vida. Sendo a religião neurose infantil, podemos
entendê-la como defesa inconsciente que o sujeito procura para fugir do
sofrimento.
Freud
construiu uma teoria fundamental da neurose. A neurose resulta de uma repressão
pelo ego de impulsos do id. O impulso reprimido ameaça, apesar da repressão, de
irromper na consciência e no comportamento. Para defender-se de novo dele,
desenvolve-se o sistema neurótico que visa, de um lado, a satisfação
substitutiva do impulso, mas, por outro lado, é uma tentativa de afastá-lo
definitivamente. (DICIONÁRIO de Psicologia Dorsch, 2001, P.612-613. Ed. Vozes,
rio de Janeiro).
A
idéia de um líder dominador, ou um super-herói, a neurose, segundo Freud, tem
como origem no inicio da vida, quando a criança vê no pai uma ameaça, que
disputa consigo o amor da mãe, mas não conseguindo vencê-lo e sentindo a
necessidade de proteção, surge o recalque de sua revolta a qual irá se
manifestar na vida adulta continuando o homem desejando para si um ser forte e
protetor: que castiga, mas, também consola.
“A
religião aparece como temor e medo do castigo e desejo do consolo. É a resposta
à dureza da vida. Com isto a religião é um aspecto neurótico da cultura. Na
religião o homem foge da realidade escondendo-se num mundo ideal de infância”.
(FREUD apud URBANO, 1991, p. 147).
O
desejo de Deus que tem o ser humano será sempre o desamparo infantil, pelo fato
do homem ter em seu inconsciente o desejo de um pai superprotetor, destarte ele
cria a imagem de um Deus, “construindo uma imagem masculina e nunca feminina
fazendo da religião uma regressão ao passado, vivenciando o dilema da carência
do pai”, (URBANO, 1997, p.150).
A
partir das perspectivas do filósofo, verificamos que o homem teme o futuro,
tanto quanto a vida presente, surgindo como consequências desse temor grande
necessidade de projetar a sua vida para um futuro em que ele não conhece, mas
prefere acreditar nesta fantasia, que seria a vida eterna.
Freud investe pesado contra a
religião, não apenas negando a existência de Deus, mas vendo-a como uma doença
psicológica que afeta toda a humanidade, seria uma forma de dependência
coletiva do inconsciente, uma sombra do inexistente.
Foi
assim que se criou um cabedal de ideias nascida da necessidade que tem o homem
de torna tolerável seu desamparo, e construindo com o material das lembranças
do desamparo da sua própria infância e da infância da raça humana. Pode-se
perceber claramente que a posse dessas ideias protege-o em dois sentidos:
contra os perigos da natureza e do destino, e contra os danos com que ameaçam a
sociedade. (FREUD apud URBANO, 1991, p.149).
Entendemos
que podem ser visíveis os reflexos em que Freud mencionara como causa do
fenômeno religioso, levando-nos a crer que, se o homem não fosse tão vulnerável
a sua realidade existencial ele nunca buscaria a religião como consolo de suas
frustrações. Mas partindo das ideias de Freud, o homem não busca Deus porque
ele crer, mas porque isto se torna necessidade profunda de um Ser superior e
por ser Deus uma imagem masculina, Freud atribui ao desejo de um pai protetor,
um fator adquirido na infância. Nesta totalidade conflituosa de imagens e fantasias
o homem se vê em um caminho sem volta sendo condenado a crer em uma ilusão.
O
homem no seu aparelho psíquico está dotado de uma fantasia inconsciente; é uma
fantasia de absoluto, de onipotência, desejo de transcendência. A pulsão ao nos
fazer atualizar esta fantasia, faz-nos experimentá-la como um desejo: desejo de
não morrer, de imortalidade. Mas a realidade também frustra esse desejo do ser
humano; constantemente está falando que o ser humano é mortal, que é limitado e
finito. O desejo de transcendência vê-se frustrado pela realidade. Cria-se
assim um conflito entre sua necessidade de transcendência, de absoluto, de
permanência e realidade que lhe diz: “tudo acaba aqui”. Esse conflito básico
provoca no ser humano o desencadeamento da angústia, uma angústia vital que
afeta o mais profundo do homem e que facilmente se faz intolerável. Como consequência
dessa intolerância ‘a realidade existencial, o ser humano tem que por em
funcionamento mecanismos de “negação da realidade”. A defesa religiosa nos diz
que não morreremos que somos imortais. Em resumidas palavras o que pretendemos
com a religião é converter os nossos desejos em realidades. (JUAN, 2000, p.66).
Segundo
o nosso comentador, Freud irá desenvolver todo o seu pensamento no que diz
respeito à religião fundamentando suas ideias em três princípios básicos da
projeção humana: fantasia, desejo e defesa: a fantasia é um desejo de
onipotência, ou seja, Deus é sempre um ser forte e supremo que cria, destrói e
constrói, mas também ampara.
O desejo é um sentimento que nos leva almejar
a imortalidade, tal desejo induz o indivíduo à fuga da realidade
direcionando-nos para uma realidade suprassensível que esteja além do homem,
tudo o que ele desejaria ser, mas não consegue devido a sua limitação humana e
a defesa, diz que não iremos morrer, somos imortais. Em uma carta enviada ao
seu amigo Fliess, Freud deixa nítida a sua visão acerca da religião.
Você
conseguiria imaginar o que sejam “mitos endopsíquicos?” É o último produto do
meu esforço mental. A tênue percepção interna do próprio aparelho psíquico
estimula ilusões do pensamento que naturalmente, são projetadas para o exterior
e, tipicamente para o futuro e para o além, tudo são reflexos de nosso mundo psíquico
interno... Psicomitologia. (FREUD apud JUAN, 2000, p. 67).
A religião aqui é vista como uma intuição mitológica da
nossa mente e não como um princípio de fé; destarte, não existe verdade
revelada, mas uma verdade criada, o homem tem fé, porque se sente abandonada
pela vida, restando-lhe apenas a fantasia como apoio emocional.
Para Freud,
a base de toda a nossa organização fantasmática é justamente esta fantasia de
onipotência, o fato de não nos resignarmos por não sermos onipotentes, por termos
que morrer: a respeito da ação, não conformamos com que nem tudo seja possível
e perfeito. Em poucas palavras, na nossa fantasia profunda se oculta o desejo
expresso nos Gêneses; “sereis como deuses”. No fundo todo homem deseja ser
Deus. (JUAN, 2000, p. 76).
Deus
é eterno, no entanto, o homem por ser sua criatura, almeja no mais profundo do seu
ser, a eternidade. É o homem que não podendo ser eterno, eterniza ao menos o
seu anseio. Feuerbach também acreditara nesta idéia projetada que o homem faz
de Deus. “Deus é a existência correspondente aos meus desejos. A natureza, este
mundo é uma existência que contradiz os meus desejos, os meus sentimentos”.
(FEUERBACH, 1988, p. 214).
Observamos uma mera compatibilidade de pensamento entre
os dois filósofos citados, ambos veem no desejo que o homem tem de alcançar
Deus, apenas uma fantasia do que desejaríamos ser, visto que Deus é tudo aquilo
que o homem não pode atingir e ao mesmo tempo não pode ser. “Para Freud, a base
de toda a nossa organização fantasmática é justamente esta fantasia de
onipotência, o fato de não nos resignarmos por não sermos onipotentes, por
exemplo, a respeito da vida”. (JUAN, 2000, p 76).
Portanto, constatamos que a visão de Freud a respeito da
religião leva-nos a crer que, o homem é um ser que traz em seus arquétipos um
princípio religioso, princípio este que segundo o nosso autor não passa de
neurose coletiva a qual herdamos da cultura que estamos inseridos.
Por
isso, o homem é este ser doente que depende da religião para fugir da sua
realidade em que a vida lhe proporciona o homem não quer aceitar a sua finitude
e limitação. Daí cria-se mecanismos de defesa, os quais irão convencê-lo de que
ele tem um Deus que protege e lhe oferece uma vida eterna e perfeita tendo tudo
o que não tivera nesta vida. Entretanto, compreendemos que tanto em Freud
quanto em Feuerbach o homem não é apenas um ser de projetos, estar mais para um
ser de projeções.
“O ser humano que não pode satisfazer as suas
necessidades, na realidade separa-se do mundo exterior, cria um mundo interior
próprio e nele se satisfazem de forma ideal todos os seus desejos. A religião
nos ajuda a satisfazer na imaginação o que na realidade não podemos realizar”.
(JUAN, 2000, p.78)
O homem se enquadra nesta visão psicanalítica, como
sujeito que tem dependência cultural e psicológica da religião, e as suas
frustrações de infância contribuem para toda a sua vida inclusive a religiosa,
ele sempre irá buscar um Deus superior, Deus este que nunca poderá encontrá-lo,
visto que tudo não passa de uma mera fantasia, a qual o homem se torna preso
devido os seus sentimentos em relação ao seu pai, que ficara escondido em seu
inconsciente. Quando Feuerbach afirma que para que Deus seja tudo, o homem e o
mundo teêm que ser nada, podemos considerar que tanto Freud quanto Feuerbach,
atribui ao ser humano uma dimensão fantasmática, fazendo da felicidade uma
projeção para uma vida celestial, descartando a possibilidade de uma auto
realização neste mundo. “Quem crer numa
vida celestial eterna, esta vida perde o valor: a crença na vida celestial é
exatamente a crença na nulidade desta
vida”. (FEURBACH, 1988, p.113).
Mediante tanta alienação religiosa em que vive a
sociedade, destarte, não é difícil falar em “projeção religiosa”. Freud com
muito afinco dissera que a religião fora criação humana, concernente a tal ideia
de Feuerbach em sua principal obra. A Essência do cristianismo evidencia
algumas semelhanças com o pensamento freudiano.
O
homem deseja que a satisfação dos seus desejos e necessidades seja imediata,
pois, para ele existe um abismo entre objeto desejado e os seus desejos, entre
a meta da realidade e a meta da imaginação. Então, para acalmar esse lamento,
para se libertar das limitações da realidade, estabelece um ser verdadeiro e
supremo, o ser que realiza o objeto pelo mero eu quero. (FEUERBACH, 1988, p.156).
Observamos
nesta citação que Feuerbach chegou a conclusão que o homem cria a partir da
religião tudo o que ele almeja para a sua felicidade terrena, fazendo da mesma,
objeto de imaginação e desejo o que Freud denominou de “projeção religiosa”.
Quando falamos sobre tal tema a partir de Freud, logo, entendemos que tal
necessidade tem como origem à carência de um pai superprotetor.
Apesar de Freud e Feuerbach considerarem o homem um ser
de projeção, queremos evidenciar que Feuerbach tem uma visão positiva do ser
humano, ou seja, a alienação só permanece enquanto o mesmo não se dá conta da
capacidade que temos de superar os nossos limites. O homem Feuerbachiano quando
se torna consciente de que ele é um ser capaz de construir um mundo baseado
apenas na dimensão antropológica, visto que Deus é tudo aquilo que o homem
deseja ser, ele passa a ter visão positiva da vida, libertando-se da alienação
causada pela religião.
Enquanto Freud é um pouco pessimista, vendo o homem como
eterno dependente deste Deus superior, que nunca irá atender as suas carências,
fazendo com que o homem permaneça com suas frustrações e desenganos com a vida;
enquanto Feuerbach aposta no homem como sujeito de si próprio, Freud transfere
para a ciência, a solução dos problemas neuróticos da religião. “A fé na
ciência substitui a fé em Deus” (FREUD apud URBANO, 1991, p.151). Ao avesso de
Feuerbach, Freud não sugere ao homem comunitário uma possível superação das
misérias humanas, mas confia na ciência, “o que a ciência não nos fornece
também a religião não poderá fornecer, nossa ciência não é ilusão” (FREUD apud
URBANO, 1991, p. 151). Vejamos o ideal que Feuerbach teve acerca da imagem do
pai, o qual o homem projeta imaginando ser Deus.
Na
confiança de que o ser onipotente e absoluto é o pai dos homens, que é um ser
que participa que sente que ama: que então os sentimentos e os desejos mais
sagrados para o homem são verdades divinas. Mas a criança não se sente
dependente do pai; ela tem antes no pai o sentimento da sua força, a
consciência do seu valor, o penhor da sua existência, a certeza da realização
dos seus desejos; no pai está o lastro do cuidado; ao contrario vive
despreocupado e feliz na confiança no pai. (FEUERBACH, 1988, p. 165).
Feuerbach
admite a dependência projetiva que o homem tem em relação a Deus como pai
protetor, um ser poderoso que vem em socorro da miséria humana.
A
essência da fé que se constata em todos os seus objetos, até no mais especial é
que o homem deseja ser imortal logo, ele é imortal, ele deseja que exista um
ser que pode tudo que pode tudo o que seja impossível à natureza humana e a
razão, logo existe tal ser; ele deseja que exista um mundo que corresponda aos
desejos da afetividade, um mundo da subjetividade ilimitada. (FEUERBACH, 1988,
p. 169).
O
homem cria a realidade fictícia como subterfúgio da realidade, almejando a
felicidade plena que possa fazê-lo feliz e imortal, em suma, o ser humano tem
um desejo inconsciente de imortalidade. Nestas
perspectivas o homem não é religioso por natureza como afirmam muitos teóricos,
mas é fruto da sua própria realidade inconsciente, em que ele não descobre a
sua capacidade de superação dos seus obstáculos, e acaba criando um Deus
objetivado fora dele, isto, para Feuerbach. Segundo Freud, além da busca
inconsciente, ele também almeja algo que seja diferente da sua realidade, a
partir de então a religião é uma tentativa de resolver todas as suas dores e
decepções com vida tão dura e de uma árdua realidade.
Considerações
finais
Concluindo este árduo trabalho de pesquisa, a respeito da
religião, faremos algumas considerações acerca do filósofo pesquisado. O homem
é um ser que tem em sua origem princípios religiosos, por isso, até os dias
atuais não se conseguiu constatar nenhum povo que vive sem o seu culto
religioso, deste modo, a religião faz parte da essência antropológica do ser
humano.
Ao longo deste trabalho evidenciamos a religião como um
fator antropológico, pode-se considerar tal ideia como positiva, visto que,
para se conhecer um povo e a sua cultura, faz-se necessário conhecer a sua
religiosidade. Nesta perspectiva, a religião é uma forma de explicação da
realidade material e espiritual do ser humano, quanto mais o ser humano se
aprofunda na religião, mais ele irá compreender a essência do homem.
A maioria das culturas vê Deus como um ser vingador, que
cobra dos seus súditos com dureza e rigidez. Por isso, o homem procura diante
da religião encontrar tudo aquilo que ele não encontra em sua essência, ou não
consegue explicar.
Vimos também que o homem diante das suas angústias e
limitação, começa a buscar em Deus respostas para todas as suas calamidades,
depositando em Deus toda a responsabilidade, tanto pelo seu sucesso, quanto
pelo seu fracasso. Na maioria das vezes, o homem de hoje não se dá conta que
ele é responsável pelos seus fracassos e também pelo sucesso.
Feuerbach nunca pretendera acabar com a religião, muito
pelo contrário, tentou despertar o ser humano para a sua realidade existencial,
enfatizando a responsabilidade que temos com a vida, com o mundo e com o
próximo. O ideal é que nos devemos preocupar em construirmos a nossa história,
contribuindo para o progresso da humanidade, sem nos preocuparmos com o além.
Ao
buscarmos o contexto histórico do século XIX, veremos que o mundo estava se libertando
do teocentrismo medieval, em que tudo era atribuído a Deus ou ao Diabo, o homem
ficava nesta história, apenas como um fantoche.
Contudo quando se reflete sobre os atributos que o homem
concede a Deus são os seus próprios sentimentos objetivados para fora dele,
podemos entender que não somos seres completamente controlados por Deus, mas
temos uma mente com raciocínio e liberdade para escolhermos o que for melhor.
Feuerbach tentou devolver ao homem a sua liberdade
subjetiva para que se pudesse reconhecer a grandeza do ser humano,
valorizando-o por completo. Assim sendo, Fazendo uma análise da religiosidade
nos dias atuais, podemos ver que o homem ainda continua nesta árdua busca pelo
transcendente, nunca houve na história uma procura por religião, como nos dias
hodiernos.
Apesar do grande número de pessoas sem religião, o
ateísmo é algo quase fora de moda, mas sabemos que o homem de hoje busca uma
religião subjetiva, que corresponda aos seus interesses individuais: problemas
de saúde, financeiro, emocional e familiar, o homem ainda não se tornou capaz
de resolver os seus problemas, por isso, apela ao absoluto. Tais objetivos são
um pouco diferente da época de Feuerbach, em que se buscava Deus por medo do
inferno.
Atualmente
no Brasil, há grande crescimento dos movimentos neopentecostais, onde existem
grandes promessas de bem estar pessoal, é chamada teologia da prosperidade. O
homem nunca aceitou a sua condição existencial, onde é impossível viver sem
sofrimentos e angústias. Sabemos também que o descaso social em que se encontra
o nosso povo, contribui para o crescimento dos movimentos religiosos.
Portanto,
pode-se dizer que ainda na atualidade, as pessoas depositam toda a
possibilidade de bem estar apenas em Deus, esquecendo que o ser humano também
deve ser responsável pela sua felicidade, que começa a partir do sujeito, Deus
apenas nos concede a força necessária para enfrentarmos os obstáculos.
Mediante
este trabalho, o qual fora uma dura crítica a religião, concluímos que a
solução dos problemas da humanidade não consiste na extinção da religião, mas
se faz necessário uma consciência crítica da realidade do mundo. Será que ainda
não descobrimos que Deus não resolve todos os problemas com soluções
miraculosas? Ao contrário, desde o início da criação Deus confiou ao homem a
missão de construir e multiplicar. Sabemos que são muitos os problemas que a
nossa sociedade enfrenta; éticos, econômicos sociais e religiosos. Daí a
importância de encontrarmos meios para a solução de tais problemas, por isso,
temos as ciências que muito contribuem para tal fim: a Sociologia,
Antropologia, Psicologia, Teologia, Filosofia e etc. Estas ciências apontam os
problemas e ao mesmo tempo apresentam uma possível solução. Podemos reconhecer
que todos estes conhecimentos, os quais estão à disposição do homem
contemporâneo é uma graça concedida pelo nosso Deus criador de tudo.
Por
fim, sabemos que é impossível pensar uma sociedade sem religião, visto que a
religião é também um fator antropológico. Podemos citar como exemplo, os países
de regime comunista, que tentaram criar uma sociedade sem religião, atribuindo
a ela os motivos das desgraças da humanidade, tais ideias apenas desencadearam
um desequilíbrio econômico e social não resolvendo os problemas existentes.
Em
suma, a religião nunca deve conduzir o homem á uma alienação de sua realidade,
mas deve proporciona-lhe senso crítico da realidade e com tal auxílio encontrar
caminho para os seus efetivos problemas. Que Deus seja sempre a fonte de
inspiração dos nossos projetos e que a solução seja sempre executada pelo
homem.
Acreditamos
que no término deste trabalho acadêmico, conseguimos atingir o nosso objetivo
principal, que foi demonstrar que a religião, às vezes, conduz o ser humano
para uma profunda alienação da sua realidade existencial, além de proporcionar
aos leitores desta obra, uma visão crítica da religião interpretada de forma
errada. Nunca a religião deve nos conduzir para uma descrença terrena, ao
contrário, deve proporcionar um compromisso com a transformação da realidade em
que vivemos.
Consideramos este trabalho de pesquisa monográfica de
suma importância, para o crescimento intelectual dos estudantes que concluem o
Bacharelado em filosofia, visto que este proporciona aos mesmos uma visão
salutar da vida e de toda a história da filosofia. Também nos exigiu grande
esforço de pesquisa para o nosso crescimento intelectual, abrindo os horizontes
que outrora foram tão obscuros.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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